Com um dos meus chapéus e a famosa mini saia
Antes de finalizar “Usanças do Tempo” com as décadas de 80/90, vou ensarilhar no contexto as minhas preferências,
adaptações, condicionalismos, realidades, comparações e simpatias ao longo duma
já dilatada série de instantes.
Até por volta dos meus anos
de adolescente, a palavra “moda” nem tinha significado na minha existência.
Viver numa aldeia da Beira Alta, quando fora das nossas fronteiras já havia uma explosão de acontecimentos pós Segunda Guerra Mundial e com o Estado Novo a descriminar tudo quanto fosse modernidade, apostando num sucesso nacional baseado na modéstia e tradição, vestia-se pela simples necessidade de o ser humano ter que se vestir. Os costumes variavam de região para região sem que passasse pela mente de alguém deixar o seu conservadorismo num País que atravessava momentos difíceis.
De moderno eu apenas tinha o nome, Teresa, que considero intemporal, fresco, despretensioso, elegante.
E assim, como tantas outras da minha idade, usava vestidos de algodão simples estampado, algodão de flanela, bouclê, tobralco e lã, feitos pela Mãe, amigas ou outras autodidactas em costura assim como os bibes de chita com folhos, para os proteger; casacos ou camisolas tricotadas; meias brancas de renda em algodão até ao joelho ou collants; sapatos de couro feitos por medida no sapateiro e alpercatas; laços com fitas de várias cores, nos cabelos; chapéu de palha com abas grandes bordadas a lã.
Todas as roupas, adaptadas se necessário, passavam de irmão
para irmão.
Imagem de " Rua dos Dias que Voam"
A chita fazia parte do vestuário do dia-a-dia das crianças. Era um tecido em algodão muito colorido com motivos quase sempre de flores miudinhas, alegres e simples que, na época, até se ajustava bem à ingenuidade daquela fase da vida.
Chitas
À cidade chegava a Crónica
Feminina, Revista pela qual, certamente, se orientariam as mães de outras
crianças.
Entretanto, transitei da primária para o secundário.
Também não foi essencial dar importância à moda porque do meu trajo fazia parte um uniforme - bata preta com gola
branca engomada - vestido durante todo o tempo de aulas/estudo, das 8,00 às
20,00 horas.
Porém, o ambiente
colegial frequentado pelo elevado estatuto da maioria das alunas internas, "exigia" que não se ficasse completamente indiferente; filhas dos grandes industriais da
Covilhã, Gouveia, Manteigas e Seia deixavam perceber que as peças de roupa,
para além de abundantes, eram feitas por boas costureiras ou modistas.
A moda/ vestuário é uma
das muitas formas que o ser humano tem para se exprimir. E em Portugal era
feito pelas elites dentro dos restritos clubes sociais.
Mas viria a saber quando
dei o salto seguinte, agora para a capital, que o mundo desfrutava um “boom”
pós guerra de movimentos culturais e que nem mesmo as mais privilegiadas supra citadas estavam a acompanhar.
Usava-se lenço sobre a
cabeça dobrado em triângulo e amarrado sob o queixo, moda que durou pouco tempo.
O
xadrez era o tecido mais popular entre as mulheres em vestidos e saias, com
destaque para o pied-de-poule e o pied-de-coq. Havia as saias plissadas
em tecido com pregas permanentes e blusas justas de cor verde em canelado estreito,
o bordado inglês e a linha evasé. A par da meia fina (a que se apanhavam
as malhas caídas), surgiu a meia-calça.
Porem, para ir ao
cinema, ao teatro ou a qualquer evento mais relevante, eu escolhia o tailleur
e a bolsa estilo Chanel a que juntava um chapéu em casamentos, por ex.
Adorava o capeline branco de abas largas. Tinha vários chapéus no verão
- de palha para a praia e de tecidos leves para a rua.
Só uma vez experimentei o canotier.
Só uma vez experimentei o canotier.
Ainda sem prêt-à-porter, os fatos por medida eram feitos na modista (D. Domitília no meu caso, que até tinha passagem de modelos!) escolhidos em revistas de moda. Os vestidos para dançar ou para os elegantes Réveillons no saudoso Monumental, à boleia dos convites de Vasco Morgado, eram em shantung ou outros tecidos chiques adornados, alguns, com pequenas lantejoulas e pérolas.
Já agora quero também deixar uma referência aos muitos filmes que ali vi em ante estreia e aos habituais intervalos que proporcionavam uma agradável tertúlia durante o "chá das cinco".
Tive também um fraquinho por
conjuntos e vestidos tricotados na máquina ou à mão.
Para as malinhas e os
sapatos de saltos altos e finos, sempre conjugados, entrava nas muitas sapatarias minhas
preferidas - Arte, Contente (Jean Bottier), A Deb, Luís XV, Lisbonense,
Teresinha e Presidente.
Em tudo prevalecia o estilo pessoal.
Apareceram então os “movimentos de contra cultura e de pacifismo com a geração beat - poesia anti intelectualista de tradição boémia”. Lentamente, punks e hippies invadem os bairros tradicionais de lisboa. Através do folk, blues, rock and roll, expressava-se a rebeldia e o descontentamento. Era o fim da moda única e a forma de vestir estava cada vez mais ligada ao comportamento - alias, a moda era não seguir a moda.
hippies e punks
Num País em que os devaneios
estavam espartilhados pelos valores da decência impostos por uma sociedade e um
regime conservadores, surge a loja Porfírios
com roupas para jovens decalcadas do último grito de Londres e Paris, montes de
acessórios modernos, anéis, cintos, colares e carteiras que antes só se podiam
adquirir lá fora.
Havia finalmente uma
loja em Portugal que vendia jeans de vários tecidos e feitios, camisas e
blusões coloridos e a revolucionária minissaia. A decoração interior, um pouco
psicadélica e chamativa, atraia os jovens, apesar dos preços um pouco elevados; nos dias de saldos juntavam-se multidões à porta.
Já desapareceu..
Captada de "Rua dos Dias que Voam"
A década de 70 é a da silhueta das calças à boca de sino e os jeans passam a ser simultaneamente peça de vestuário corrente ou de elegância, se associados a peças de toilette.
O conceito de moda é massificado.
Os grandes estilistas, como Piérre Cardin e Saint- Laurent, dando-se conta do fenómeno, criam linhas de roupa proto-a-vestir que vendem em boutiques próprias.
Com a abertura ao mercado exterior e a integração europeia, as grandes marcas de casas como a Benetton, a Marie Claire, a Massimo Dutti, a Zara, a C & A, a Calvin Klein, começaram a chegar a Portugal, assim como a alta-costura de Saint-Laurent.
Antes, havia os Armazéns Grandella e do Chiado, a Delfieu, os Porfírios, a Migacho, a Traffic, a Parfois, a Stivali, a Augustus e a Loja das Meias que já era incontornável.
Foi a Loja das Meias que introduziu as calças jeans de marca Levi´s, a Ted Lapidus, a Mary Quant e a Christion Dior, entre outras. Tinha nos jovens um grande poder de compra porque importava de Inglaterra, França e Itália, uma considerável quantidade de pronto-a-vestir. Lembro-me de lá ter adquirido algumas peças a que chamaria únicas - um elegante tailleur de cor antracite, blusa em tons de vermelho e sapatos Dior - além de muitas outras coisas ao longo dos anos como lenços, meias, bijutarias, malas e cintos.
Só comprava (fechou) na loja do Rossio porque sempre achei que era a mais nobre.
Ana Salazar foi quem colocou a moda de Portugal no
estrangeiro. A sua primeira loja, a Maçã, passou a ser uma
das minhas predilectas. Trazia roupa diferente e giríssima de Londres; se
alguma vez tivesse que usar óculos de sol (não gosto de óculos escuros), seriam
da sua irreverente colecção.
Mais tarde, outras lojas do Bairro Azul, em Lisboa, também vendiam
roupas da capital londrina, do Harrods. Mas penso que deviam ser
adquiridas nos grandes saldos porque os rótulos estavam cortados.
Hoje não há limites para a criação individual.
Hoje não há limites para a criação individual.
Imagens Google e outras