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terça-feira, 11 de novembro de 2014

A DÉCADA DA DIFERENÇA - 1


A década de 60 foi, na minha vida, a época da diferença; abandonei o berço/terra natal e troquei-os por Lisboa, a capital. Perdi amigas que, como eu, também deram o salto. Umas, para muito longe porque emigraram com os pais, outras nem tanto, mas para localidades distantes do postigo da sala de estar dos meus dias. De início houve alguns encontros quer pela coincidência das férias, quer pela proximidade das Escolas.
Depois, nunca mais...
A minha idade foi rodando no BI. Com alguma petulância, passei a considerar-me adulta. 
Conheci outras/outros amigos que, ao contrário das amizades anteriores, ainda hoje se mantêm. Os relacionamentos, ditados pelo excesso de preconceitos, eram feitos em pequenos grupos.

                               Diagrama do metropolitano de Lisboa em 1963                     B. B.

Por outo lado, a própria década de 60 foi, ela também, um período de intensa mudança. Lisboa teve o "maior crescimento económico de sempre” com as primeiras carruagens de metro a circular e o primeiro de muitos supermercados (Modelo) a desviar clientes dos “lugares ”estabelecidos.O Saldanha simbolizava a vida nocturna, a boémia jovem e o café Vá-Vá da Avenida de Roma era um dos pontos de encontro obrigatórios.Parecia metamorfosear-se em modernidade com Johnny Hallyday, Ella Fitzgerald, as mini-saias, os jeans justos, uma geração de jovens idealistas, a Ponte Salazar, a nova “cidade dos Olivais”, Brigitte Bardot pelo Bairro Alto, Amália a cantar Camões, o tupperware ou os móveis Olaio.




Entretanto, o assalto ao Santa Maria já tinha feito história e Kennedy pressionava o regime para a independência de Angola/Guerra Colonial.


Porém, os meus dias eram bastante tranquilos.
Depois das aulas ou nos Fins-de-semana (vivia num Lar-Escola), havia sempre a possibilidade de fazer parte de um qualquer modo de convívio (A conhecia B que apresentava a C, etc.) para ir à praia, ao cinema, ao teatro, à Baixa, ao café, lanchar,à modista, dançar, ao réveillon, ao Carnaval, exposições, festas dos Santos Populares, concertos, casas de Fado.

Hei-de querer falar um pouco de todos estes banais mas saudáveis entretenimentos, mais de ontem que de hoje.

“Morte ao Fado! Partam as guitarras!”

Foi uma das expressões proferidas por Vasco Santana na comédia portuguesa "A Canção de Lisboa”, realizada em 1933, primeiro filme sonoro feito em Portugal, um dos melhores de sempre!

Os azares de Vasco sucedem-se…

Geneticamente triste, o Fado está, entre outras coisas, relacionado com a falta de sorte…

Mas «Chapéus há muitos, seu palerma!»

E ir ouvir cantar o Fado, era um dos meus (nossos) programas preferidos. Naquela época havia fadistas muito sui generis, únicos,"vitalícios".
Como há agora muitos outros de que também gosto. Mas as circunstâncias determinaram um novo modo de viver - sem programas como "vamos ouvir a bela voz de Ana Moura ou de Mariza à Casa de Linhares / ao Senhor Vinho?". 

Fernando Farinha 


“A  Voz Mais Portuguesa de Portugal”, cantou essencialmente para emigrantes espalhados pelo mundo. Depois do filme “O Miúdo da Bica” sobre a história da sua vida, actuou em várias casas típicas. Recordo-o, nostálgico, no “Café Luso” em  “A Canção de Lisboa”:

Hoje o fado já não tem 
a rufiagem por tema. 
Poliu-se, já é alguém 
e até já vai ao cinema.
Carlos Ramos 

Na esquina da Travessa da Queimada e da Rua dos Cafajeste - hoje Rua do Diário de Notícias - ficava “A Toca”

"A Toca" era a sua própria casa de fados, onde cantava apenas o Fado-canção, acompanhando-se à guitarra a si próprio. 
Recordo dois grandes êxitos trauteados por imensa gente - "Canto o Fado" e "Não venhas tarde"

"Não venhas tarde!",
Dizes-me tu com carinho,
Sem nunca fazer alarde
Do que me pedes, baixinho
"Não venhas tarde!",
E eu peço a Deus que no fim
Teu coração ainda guarde
Um pouco de amor por mim
Tony de Matos


Imortalizado pelo sucesso, em 1964 vi-o encher o Pavilhão dos Desportos cantando "Só Nós Dois", "Procuro e Não Te Encontro", " Lisboa Casta Princesa", "Vendaval",  "Lado a Lado"... e tantos outros que,segundo ele, já não sabia contabilizar.
Cartas de amor
Quem as não tem
Cartas de amor
Pedaços de dor
Sentidas de alguém
Cartas de amor, andorinhas
Que num vai e vem, levam bem
Saudades minhas
Cartas de amor, quem as não tem

Lucília do Carmo 


O  Faia foi a Casa de Fados  que mais vezes  frequentei, quer  pela  fadista, quer pelas condições do meio envolvente, quer  pela diversidade de outras presenças notáveis do Fado.

Ali ouvi cantar Carlos Ramos (a que já me referi), Alfredo Marceneiro, Maria Teresa de Noronha,  Tristão da Silva e o filho de Lucília, Carlos do Carmo, entre outros.
Local de tertúlias com a participação de personalidades como José Cardoso Pires, Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Frederico de Brito, Alexandre O’Neill ou Ary dos Santos, era um espaço muito acolhedor e interessante

Carlos do Carmo

Carlos do Carmo com a Mãe à porta do Faia e com a mulher, actualmente

Começou a cantar um pouco depois da morte do pai e ainda no tempo da mãe-fadista profissional.
Quanto à mulher, Judite, lembro-me de a ver (já casada ou talvez não) na entrada da casa Faia a receber as pessoas .

Alfredo Marceneiro


Era inconfundível e único. 
De cigarro pendurado na boca, tinha um discurso e um ar muito castiços - cantava sempre de boina e lenço de seda ao pescoço, a balancear os ombros e o tronco, com  as mãos nos bolsos. 
Para Marceneiro, o fado era quase uma religião que se cantava de noite e com público,” onde o guitarrista se devia cingir a servir a voz e o contador era também um contador da história contida na letra.

É numa rua bizarra
A casa da mariquinhas
Tem na sala uma guitarra
E janelas com tabuinhas



Tristão da Silva 


Quando regressa do Brasil a convite de Vasco Morgado para actuar na revista "Férias em Lisboa", retoma, no seu estilo romântico muito pessoal, o circuito casas de Fado mais populares de Lisboa , como o Lisboa À Noite, O Faia, A Tipóia, A Parreirinha de Alfama, o Forcado ou O Luso mas morre ainda cedo, num acidente de automóvel

Ai, se os meus olhos falassem, amor
Sabias quem te quer bem
Ai se os meus olhos falassem
Talvez a ti se contassem
O que eu não conto a ninguém

António Mourão


Em 1965 estreou-se como fadista na revista “ E Viva o Velho”, no Teatro Maria Vitória, a cantar Ó Tempo Volta pra Trás. A canção teve tanto sucesso que percorreu todo o País e foi número um de vendas. O refrão ainda hoje é facilmente cantarolado mesmo por gerações mais novas.
Muitos temas populares tornaram-se êxitos nacionais -"Os Teus Olhos Negros, Negros", "Chiquita Morena", "Oh Vida dá-me outra vida", "Fado do Cacilheiro", "Varina da Madragoa".

Tive o prazer de ter aceitado fazer um show de Natal num dos Hospitais de Lisboa, integrado no Estágio de um grupo de alunas minhas.
Entretanto, deixei de ouvir falar dele. E agora, quando o procurava na Net, fui surpreendida com a notícia triste já de 21 de Outubro de 2013:“O fadista António Mourão, de 78 anos, faleceu esta noite na Casa do Artista, em Lisboa". 

Ó tempo volta para trás 
Dá-me tudo o que eu perdi 
Tem pena e dá-me a vida 
A vida que eu já vivi 
Ò tempo volta p'ra trás
Mata as minhas esperanças vãs 
Vê que até o próprio sol 
Volta todas as manhãs 

Mas o tempo não volta pra trás...

No Tabuínhas

Faltam AmáliaZéca Afonso, Hermímia, Maria Armanda, Max, Vicente da Câmara, Francisco José e todos os que nunca ouvi ao vivo...


2 comentários:

  1. Boa Noite:
    Com uma década de diferença, para menos (década de 70 do século anterior)
    o trajecto de muitas pessoas, incluindo o meu, da nossa zona foi igual ao seu.
    Obrigada por nos fazer lembrar o que aconteceu, como aconteceu, e que acontecia na altura, quando aconteceu.
    Cumprimentos
    JFernandes

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  2. Obrigada pela sua apreciação
    E para memoriar um pouco mais, António Melo Correia em “Quentes e Boas”. Ontem, como na década de 60 (e na de 70, talvez com menos romantismo, não?) foi o dia de S. Martinho.
    È sempre agradável recordar partilhado...
    Teresa
    https://www.youtube.com/watch?v=Y0hYl-d78x8

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