A década de 60 foi, na minha vida, a época da diferença;
abandonei o berço/terra natal e troquei-os por Lisboa, a capital. Perdi amigas
que, como eu, também deram o salto. Umas, para muito longe porque emigraram com
os pais, outras nem tanto, mas para localidades distantes do postigo da sala de
estar dos meus dias. De início houve alguns encontros quer pela coincidência das férias, quer pela proximidade das Escolas.
Depois, nunca mais...
A minha idade foi rodando no BI. Com alguma petulância,
passei a considerar-me adulta.
Conheci outras/outros amigos que, ao contrário
das amizades anteriores, ainda hoje se mantêm. Os relacionamentos, ditados pelo excesso de preconceitos,
eram feitos em pequenos grupos.
Por outo lado, a própria década de 60 foi, ela também, um período de intensa mudança. Lisboa teve o "maior crescimento económico de sempre” com as primeiras carruagens de metro a circular e o primeiro de muitos supermercados (Modelo) a desviar clientes dos “lugares ”estabelecidos.O Saldanha simbolizava a vida nocturna, a boémia jovem e o café Vá-Vá da Avenida de Roma era um dos pontos de encontro obrigatórios.Parecia metamorfosear-se em modernidade com Johnny Hallyday, Ella Fitzgerald, as mini-saias, os jeans justos, uma geração de jovens idealistas, a Ponte Salazar, a nova “cidade dos Olivais”, Brigitte Bardot pelo Bairro Alto, Amália a cantar Camões, o tupperware ou os móveis Olaio.
Porém, os meus dias eram bastante tranquilos.
Depois das aulas ou nos Fins-de-semana (vivia num
Lar-Escola), havia sempre a possibilidade de fazer parte de um qualquer modo de convívio (A conhecia B que apresentava
a C, etc.) para ir à praia, ao cinema, ao teatro, à Baixa, ao café, lanchar,à modista, dançar, ao réveillon, ao Carnaval, exposições, festas dos Santos Populares, concertos, casas de Fado.
Hei-de querer falar um pouco de todos estes banais mas saudáveis entretenimentos, mais de ontem que de hoje.
Foi uma das expressões proferidas por Vasco Santana na
comédia portuguesa "A Canção de Lisboa”, realizada em 1933, primeiro filme
sonoro feito em Portugal, um dos
melhores de sempre!
Os azares de Vasco sucedem-se…
Geneticamente triste, o Fado está, entre outras coisas, relacionado
com a falta de sorte…
Mas «Chapéus há muitos, seu palerma!»
E ir ouvir cantar o Fado, era um dos meus (nossos)
programas preferidos. Naquela época havia fadistas muito sui generis, únicos,"vitalícios".
Como há agora muitos outros de que também gosto. Mas as circunstâncias determinaram um novo modo de viver - sem programas como "vamos ouvir a bela voz de Ana Moura ou de Mariza à Casa de Linhares / ao Senhor Vinho?".
Fernando Farinha
“A Voz Mais Portuguesa de Portugal”, cantou essencialmente para emigrantes espalhados pelo mundo. Depois do filme “O Miúdo da Bica” sobre a história da sua vida, actuou em várias casas típicas. Recordo-o, nostálgico, no “Café Luso” em “A Canção de Lisboa”:
“A Voz Mais Portuguesa de Portugal”, cantou essencialmente para emigrantes espalhados pelo mundo. Depois do filme “O Miúdo da Bica” sobre a história da sua vida, actuou em várias casas típicas. Recordo-o, nostálgico, no “Café Luso” em “A Canção de Lisboa”:
Hoje o fado já não tem
a rufiagem por tema.
Poliu-se, já é alguém
e até já vai ao cinema.
a rufiagem por tema.
Poliu-se, já é alguém
e até já vai ao cinema.
Carlos Ramos
Na esquina da Travessa da Queimada e da Rua dos Cafajeste - hoje Rua do Diário de Notícias - ficava “A Toca”
"A Toca" era a sua própria casa
de fados, onde cantava apenas o Fado-canção, acompanhando-se à guitarra a si próprio.
Recordo dois grandes êxitos trauteados por imensa gente - "Canto o Fado" e "Não venhas tarde"
"Não venhas tarde!",
Dizes-me tu com carinho,
Sem nunca fazer alarde
Do que me pedes, baixinho
"Não venhas tarde!",
E eu peço a Deus que no fim
Teu coração ainda guarde
Um pouco de amor por mim
Tony de Matos
Imortalizado pelo sucesso, em 1964 vi-o encher
o Pavilhão dos Desportos cantando "Só
Nós Dois", "Procuro e Não Te Encontro", " Lisboa
Casta Princesa", "Vendaval", "Lado a Lado"... e tantos outros que,segundo ele, já não sabia contabilizar.
Cartas de amor
Quem as não tem
Cartas de amor
Pedaços de dor
Sentidas de alguém
Cartas de amor, andorinhas
Que num vai e vem, levam bem
Saudades minhas
Cartas de amor, quem as não tem
Quem as não tem
Cartas de amor
Pedaços de dor
Sentidas de alguém
Cartas de amor, andorinhas
Que num vai e vem, levam bem
Saudades minhas
Cartas de amor, quem as não tem
Lucília do
Carmo
O Faia foi a Casa de Fados
que mais vezes frequentei, quer pela fadista, quer
pelas condições do meio envolvente, quer pela diversidade de outras
presenças notáveis do Fado.
Ali ouvi cantar Carlos Ramos (a que já me referi), Alfredo Marceneiro, Maria Teresa de
Noronha, Tristão da Silva e o filho de Lucília, Carlos
do Carmo, entre outros.
Local de tertúlias com a participação de personalidades como José
Cardoso Pires, Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Frederico de Brito, Alexandre O’Neill ou
Ary dos Santos, era um espaço muito acolhedor e interessante
Carlos do Carmo
Carlos do Carmo com a Mãe à porta do Faia e com a mulher, actualmente
Começou a cantar um pouco depois da morte do pai e ainda no tempo da mãe-fadista profissional.
Quanto à mulher, Judite, lembro-me de a ver (já casada
ou talvez não) na entrada da casa Faia a
receber as pessoas .
Alfredo Marceneiro
Era inconfundível e único.
De cigarro pendurado
na boca, tinha um discurso e um ar muito castiços - cantava sempre de boina e lenço de seda ao pescoço, a balancear os ombros e o tronco, com as mãos nos bolsos.
Para Marceneiro, o fado era quase uma religião que se
cantava de noite e com público,” onde o guitarrista se devia cingir a servir a
voz e o contador era também um contador da história contida na letra.
É numa rua bizarra
A casa da mariquinhas
Tem na sala uma guitarra
E janelas com tabuinhas
A casa da mariquinhas
Tem na sala uma guitarra
E janelas com tabuinhas
Tristão da Silva
Quando regressa do Brasil a convite de Vasco
Morgado para actuar na revista "Férias em Lisboa", retoma, no seu
estilo romântico muito pessoal, o
circuito casas de Fado mais populares de Lisboa , como o Lisboa À Noite, O
Faia, A Tipóia, A Parreirinha de Alfama, o Forcado ou O Luso mas morre ainda cedo, num acidente
de automóvel
Ai, se os meus olhos falassem, amor
Sabias quem te quer bem
Ai se os meus olhos falassem
Talvez a ti se contassem
O que eu não conto a ninguém
António Mourão
Em 1965 estreou-se como fadista na revista “ E Viva o Velho”, no Teatro Maria Vitória, a cantar Ó Tempo Volta pra Trás. A canção teve
tanto sucesso que percorreu todo o País e foi número um de vendas. O refrão ainda hoje é facilmente cantarolado
mesmo por gerações mais novas.
Muitos temas populares tornaram-se êxitos nacionais -"Os Teus
Olhos Negros, Negros", "Chiquita Morena", "Oh Vida dá-me
outra vida", "Fado do Cacilheiro", "Varina da
Madragoa".
Tive o prazer de ter aceitado fazer um show de Natal num dos Hospitais de Lisboa, integrado no Estágio de um grupo de
alunas minhas.
Entretanto, deixei de ouvir falar dele. E agora, quando o procurava
na Net, fui surpreendida com a notícia triste já de 21 de Outubro de 2013:“O fadista António Mourão, de 78 anos, faleceu esta noite
na Casa do Artista, em Lisboa".
Ó tempo volta para trás
Dá-me tudo o que eu perdi
Tem pena e dá-me a vida
A vida que eu já vivi
Ò tempo volta p'ra trás
Mata as minhas esperanças vãs
Vê que até o próprio sol
Volta todas as manhãs
Dá-me tudo o que eu perdi
Tem pena e dá-me a vida
A vida que eu já vivi
Ò tempo volta p'ra trás
Mata as minhas esperanças vãs
Vê que até o próprio sol
Volta todas as manhãs
Mas o tempo não volta pra trás...