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domingo, 1 de julho de 2012

ALPONDRAS/PONDRAS/POLDRAS



Diz no Dicionário online de Português que alpondra é uma palavra de origem obscura (por alpoldras de al+ poldra?) que significa cada uma das pedras colocadas num regato ou rio, de margem a margem, para deixarem as pessoas atravessar correntes de água a pé enxuto.
E na minha ingénua (de criança) memória, não havia vaga para mais significados. Porem, de repente a “origem obscura” aguçou a curiosidade e comecei a esquadrinhar:

ALPONDRAS - KAUSOS ANIMAÇÂO MARCOS DIAMANTINO STUDIO

 “…Que seria o meu amor pelo super-homem se falasse de outro modo? Através de mil pontes e alpondras, terão de abrir caminho para o futuro…” Friedrich Nietzsche, Assim Falou Zaratustra, das Tarântulas.


 “… rio que atravessei em umas alpoldras sobre uma pequena catarata”, em Como eu atravessei a África, de Serpa Pinto - Vol. 1.


“Através das eras a Igreja tem sido como alpondras em um rio. A obra do Espírito Santo em nós é tornar-nos alpondras por meio das quais Ele possa mudar de lugar…” Jonab Gama
Foto do Blog

Alpondras é um mergulho dentro dentro da alma humana e dos conflitos que nos enlaçam uns aos outros”
Carlos Alberto da Silva, escritor anónimo


A propósito de alpoldra, poldra, pondra (traduzibilidade): “O texto que se segue insere-se numa campanha que eu ando a fazer há muito contra os mitos das palavras intraduzíveis…” 
TRAVESSA DO FALA-SÓ, de Vitor Santos Lindegaard. Foto Rodrigo Cruz.


“… largou a estrada, passou em baixo, no vale, sobre as alpondras, o riacho que fugia entre os aloendros em flor...”
Eça de Queiroz, Frei Genebro


«“De repente, deu um tapa no rosto e, depois de um grito de dor, exclamou como se tivesse descoberto um tesouro enterrado por algum pirata dos antigos nas praias do Caribe: "alpondras, Alberto, o nome daquelas pedras é alpondras". 
Mais engraçada, porém, parecia-me a palavra que eles tanto procuravam: alpondras. O nome sugere um delicioso prato da cozinha internacional: alpondras à moda do Porto ou à Valenciana, alpondres aux fines herbs, alpondri al vongole (em português, essa palavra é proparoxítona). » 
100 anos, de Mário Lago


Coudelaria Ricardo Guimães. Poldra Classe P. S. Lusitano


E cheguei assim à conclusão que o único vocábulo que me era familiar (poldra) podia escrever-se usando três palavras diferentes com significados nem sempre iguais.

Sobre o rio Noemi que passa na minha Aldeia, além da belíssima ponte românica de seis arcos perfeitos em granito (mais provável ser da 2ª metade do séc. XIII, apesar de lhe chamarem romana) e dum “pontão”, também havia poldras a ligar uma parte da povoação antiga, na margem esquerda, às “eiras” que ficavam do outro lado, na chamada “estação,” por se ter alongado para aí depois da construção da linha férrea da Beira Alta.

Ponte

Pontão que existia (ponte estreita e pequena), hoje substituido por outro

Hoje, esse testemunho do viver de outras épocas nem como memória foi preservado - as pedras foram simplesmente arrancadas para dar lugar a outro tipo de passagem, penso.
O mundo rural mudou mas o caudal do rio também. Talvez nalguns invernos se possa agora designar por ribeira porque no verão é um desolador areal.
As poldras da minha meninice estavam muito escorregadias devido ao uso, à idade e à força da água.
Mas porquê fazer desaparecer um importante património popular, se já se podia passar de uma margem para a outra sem molhar os pés?

Para uma criança como eu, era uma grande aventura, quase um feito heroico, saltar de umas pedras para outras até alcançar a margem oposta quando, no inverno, ficavam meio submersas e no estado em que as descrevi. Porem, apesar de ser “proibido” ir sem companhia, lá estava eu. Até um dia...

Recordo com enorme lucidez o prazer de as saltitar e o pânico que tive quando um pé ficou em falso ao tentar “aterrar” numa daquelas “pistas” cobertas pela torrente de água acabada de engrossar após uma trovoada.
Diz o ditado que “ao menino e ao borracho, poe Deus a mão por baixo”. Quando  escorreguei, fiquei presa entre duas poldras durante algum tempo; o frio já começava a tirar-me a força das mãos. Mas apareceu o “Ti” Augusto que me poupou aos possíveis efeitos da corrente. Só não consegui salvar os meus “Lusíadas”, ou seja, a minha sacola de serapilheira

Imagens Google e Facebook

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