Diz no Dicionário online de Português que alpondra é uma palavra de origem obscura (por alpoldras de al+ poldra?) que significa cada uma das pedras colocadas num regato ou rio, de margem a margem, para deixarem as pessoas atravessar correntes de água a pé enxuto.
E na minha
ingénua (de criança) memória, não havia vaga para mais significados. Porem, de
repente a “origem obscura” aguçou a curiosidade e comecei a esquadrinhar:
ALPONDRAS - KAUSOS ANIMAÇÂO MARCOS DIAMANTINO STUDIO
“…Que seria o meu amor pelo super-homem se
falasse de outro modo? Através de mil pontes e alpondras, terão de abrir caminho para o futuro…” Friedrich Nietzsche, Assim Falou Zaratustra,
das Tarântulas.
“… rio que atravessei em umas alpoldras sobre uma pequena catarata”,
em Como eu atravessei a África, de
Serpa Pinto - Vol. 1.
“Através
das eras a Igreja tem sido como alpondras
em um rio. A obra do Espírito Santo em nós é tornar-nos alpondras por meio das quais Ele possa mudar de lugar…” Jonab Gama
Foto do Blog
“Alpondras é um mergulho dentro dentro
da alma humana e dos conflitos que nos enlaçam uns aos outros”
Carlos Alberto da Silva, escritor anónimo
Carlos Alberto da Silva, escritor anónimo
A propósito
de alpoldra, poldra, pondra
(traduzibilidade): “O texto que se segue insere-se numa campanha que eu ando a
fazer há muito contra os mitos das palavras intraduzíveis…”
TRAVESSA DO FALA-SÓ, de Vitor Santos Lindegaard. Foto Rodrigo Cruz.
TRAVESSA DO FALA-SÓ, de Vitor Santos Lindegaard. Foto Rodrigo Cruz.
“… largou a
estrada, passou em baixo, no vale, sobre as alpondras, o riacho que fugia entre os aloendros em flor...”
Eça de Queiroz, Frei Genebro
Eça de Queiroz, Frei Genebro
«“De
repente, deu um tapa no rosto e, depois de um grito de dor, exclamou como se
tivesse descoberto um tesouro enterrado por algum pirata dos antigos nas praias
do Caribe: "alpondras, Alberto,
o nome daquelas pedras é alpondras".
…
Mais
engraçada, porém, parecia-me a palavra que eles tanto procuravam: alpondras. O
nome sugere um delicioso prato da cozinha internacional: alpondras à moda do Porto ou à Valenciana, alpondres aux fines herbs, alpondri
al vongole (em português, essa palavra é proparoxítona). »
100 anos, de Mário Lago
100 anos, de Mário Lago
Coudelaria Ricardo Guimães. Poldra Classe P. S. Lusitano
E cheguei
assim à conclusão que o único vocábulo que me era familiar (poldra) podia escrever-se
usando três palavras diferentes com significados nem sempre iguais.
Sobre o rio
Noemi que passa na minha Aldeia, além da belíssima ponte românica de seis arcos
perfeitos em granito (mais provável ser da 2ª metade do séc. XIII, apesar de
lhe chamarem romana) e dum “pontão”, também havia poldras a ligar uma parte da povoação antiga, na margem esquerda, às
“eiras” que ficavam do outro lado, na chamada “estação,” por se ter alongado
para aí depois da construção da linha férrea da Beira Alta.
Ponte
Pontão que existia (ponte estreita e pequena), hoje substituido por outro
Hoje, esse
testemunho do viver de outras épocas nem como memória foi preservado - as
pedras foram simplesmente arrancadas para dar lugar a outro tipo de passagem, penso.
O mundo
rural mudou mas o caudal do rio também. Talvez nalguns invernos se possa agora designar
por ribeira porque no verão é um desolador areal.
As poldras da minha meninice estavam muito
escorregadias devido ao uso, à idade e à força da água.
Mas porquê
fazer desaparecer um importante património popular, se já se podia passar de
uma margem para a outra sem molhar os pés?
Para uma criança como eu, era uma grande aventura, quase um feito heroico, saltar de umas pedras para outras até alcançar a margem oposta quando, no inverno, ficavam meio submersas e no estado em que as descrevi. Porem, apesar de ser “proibido” ir sem companhia, lá estava eu. Até um dia...
Recordo
com enorme lucidez o prazer de as saltitar e o pânico que tive quando um pé
ficou em falso ao tentar “aterrar” numa daquelas “pistas” cobertas pela torrente de
água acabada de engrossar após uma trovoada.
Diz o
ditado que “ao menino e ao borracho, poe Deus a mão por baixo”. Quando escorreguei, fiquei presa entre duas poldras durante algum tempo; o frio já começava a tirar-me a força das mãos. Mas apareceu o “Ti” Augusto que me
poupou aos possíveis efeitos da corrente. Só não consegui salvar os meus “Lusíadas”, ou seja, a
minha sacola de serapilheira.
Imagens Google e Facebook
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