Como os -2º C apenas permitiam espreitar o "Natal dos outros" por detrás dos vidros da janela, sentei-me junto à lareira e, através do Google Maps, fui “percorrendo” as ruas da aldeia.
Para meu espanto, à medida que ia seguindo a seta, aquele esperado reencontro com alguns vestígios do passado ia-se esfumando em miragem.
De onde vieram estas casas? Quem são os moradores? Porque há tantas ruas chamadas "... Dinis da Fonseca "? A continuar assim, qualquer dia, o nome Cerdeira (A primeira referência escrita ao topónimo na região data de 1229 e refere-se ao primeiro foral de Castelo Mendo, concedido por D. Sancho II), ainda passa a ser outro!
Curiosamente, não existe nenhuma outra personalidade ligada à toponímia das ruas, embora tenham contribuído, também, para o desenvolvimento da terra …
Cada vez mais incrédula, lá ia continuando a "abrir" caminhos na esperança de "esbarrar" com uma autêntica arquitetura rural da Beira Alta, muito semelhante a uma das casas dos avós:
Casa em granito, com telha solta de canudo, escadas exteriores de pedras longas e encimadas por uma varanda semifechada, com janela. Por baixo, o poleiro/coelheira, com três aberturas na parede para entrada e saída das galinhas e criação de coelhos.
Do interior da casa, fazia parte uma saleta com mesa central e uma arca enorme para a roupa, dois pequenos quartos e uma cozinha com lareira junto à parede, rodeada por várias banquetas e um banco corrido, com encosto, que servia para guardar a lenha. Havia, ainda, o vasal para os cântaros da água e para a loiça. O fumo saia pelas frestas das telhas porque não tinha chaminé. Ali preparavam as refeições, se aqueciam, conviviam ao serão e fumavam a carne. (já não imagino como podiam juntar-se tantas pessoas no dia da matança do porco!).
Desta casa fazia parte, ainda, um anexo de dois pisos (espaço aberto, em cima e loja, em baixo).
Geralmente, o piso térreo recolhia os animais para aquecerem o piso superior durante o rigor do Inverno e as casas tinham um logradouro murado, com alpendre, em frente, onde se guardava a lenha e o carro das vacas. Porem, os avós possuíam um imóvel separado para os animais, com curral, muito, muito antigo (recentemente, foram ali encontradas grandes pedras, lajes, do Paleolítico Médio e Superior, pensa-se).
À esquerda, já falta a casa fechada onde estavam os animais. A parede exterior do curral também não é a original - foi reerguida quando uma parte passou a ser explorada pela anterior JAE.
Como calculava, cheguei ao fim do "percurso" sem encontrar nenhuma das várias casas conhecidas deste tipo de habitação beirã. Havia a do S., a do A., a da M.L. e muitas outras
E encontrei, ainda, em vias de rápida extinção, a dos Avós, exatamente. A janela donde o Avô, doente, espreitava a rua e os vizinhos, já não consta…
Adeus arquitetura rural autêntica, da Beira Alta, na minha Aldeia…
- Crime, disse ela.
Será que o intelecto, charme e persistência de Jessica Fletcher, escritora profissional e detective amadora, saberia desvendar todos os segredos desta generalizada destruição cultural?
O significado de património traz a ideia de herança cultural. Tanto no âmbito pessoal, profissional, quanto no social existe a herança perpetuada de geração em geração. A partir dessa conceção do termo património, ele pode ser associado com a preservação, para prorrogação e contextualização daquilo que já tende a permanecer. O património é visto como parte de um todo, selecionado naturalmente através dos valores patrimoniais, para deixar um legado às gerações futuras e contribuir na construção social da história Peralta & Anico, 2006
Mas um misto de satisfação/saudade/emoção, foi o que senti quando "descobri" um cantinho de ruinas silenciosas, esquecidas, violadas apenas pelo tempo. Ali viveram com pouca coisa, de pobreza envergonhada, duas irmãs solteiras, T'is muito queridas, afáveis e discretas. Quando entrava naquelas casas tão pequenas, ficava à janela, sem tempo, sentada num banco minúsculo, a ouvir histórias de que não me lembro
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