"Narrativa" na primeira pessoa
- Nasci na Soalheira, uma terra pobre da Beira Baixa, na encosta sul da serra da Gardunha, há 73 anos. Como filho ilustre, foi atribuído o meu nome
à rua da escola Primária onde a minha mãe Maria Irene ensinou o ABC.
No dia 13 de Maio a minha tia abria as portas da casa a
todas as beatas que a quisessem acompanhar na missa, pela rádio, directamente de Fátima.
Quando jogava o Sporting - Benfica, eu colocava o meu rádio Telefunken na varanda para deliciar
os muitos adeptos que se juntavam no Largo a ouvir o relato.
O meu avô tinha
uma quinta donde provinham todos os bens essenciais, durante o racionamento
alimentar, no pós II Guerra Mundial. E, como também era caçador, havia ainda as perdizes e as lebres. O gosto pela caça, um dos meus hobbies favoritos, vem dessa época.
Na Soalheira só havia dois ou três carros que funcionavam
a gasogénio porque a gasolina era escassa. O meu pai, um pequeno comerciante, sempre teve carro - um Citröen velho -
que nos dava uma situação de privilégio.
A VILA (cidade desde 1971)
Após a primária na aldeia, fui para um liceu de Castelo Branco e fiquei
na casa de uma tia que era telefonista.
A LICENCIATURA
Os meus pais gostavam que eu tirasse uma licenciatura
A minha mãe tinha
uma imagem negativa dos advogados.
O meu tio, que
“no fundo era um funcionário público, achava que o sobrinho, em quem depositava
esperança, devia ir para direito”.
DIREITO
Foi a opção.
O meu tio seduzia-me pela cultura e pelo conhecimento;
era amigo de António José Saraiva, Óscar Lopes e Ferreira de Castro, entre
outros.
Tinha uma
actividade clandestina - militava no Partido Comunista. Eu só soube quando já
estava na Universidade e todos, só depois do 25 de Abril; no funeral, a bandeira
do P.C. cobria a urna.
Toda a minha família, que era profundamente católica,
ficou chocada.
“Salazar era uma pessoa respeitada, fiável, quer pelo meu
avô paterno quer pelo meu pai.
”Fui sempre muito crítico com eles."
“Quando
deixar de trabalhar volto para o campo”.
Os repúblicos abrantinos!
Muitos dos políticos e famosos até noutras profissões
estiveram em Repúblicas de Estudantes.
A “Real República Palácio da Loucura” teve papel relevante
nos movimentos académicos na década de 60 - no que se refere às questões
académicas da época. Só lá vivi
um ano, entre 1959 e 1960, mas nem por
isso tenho menos recordações. O próprio
ambiente de uma casa gerida só por estudantes era muito aliciante.
Fiz parte da Orquestra Ligeira do Orfeão Académico de
Coimbra, fundada pelo Zé Nisa, em 61, como contrabaixista.
Era um quinteto (Zé
Niza, eu, Rui Ressurreição, Zé Cid e Joaquim Caixeiro) com o instrumental e o repertório típico da transição da década de 50
para a de 60. Interpretávamos música brasileira, italiana, francesa,
americana…
O ADVOGADO
"Na
minha profissão há mais esforço e disciplina do que talento. Nada está
adquirido."
Tenho um lema: "Os fins justificam os meios"
A “relação com a minha mãe era cúmplice, muito próxima”;
compreendeu o meu divórcio e a minha intervenção política. “Dizia muitas vezes
que tinha sido uma surpresa ver que eu tinha atingido lugares de destaque na
vida pública. Sentia-se orgulhosa. Mas era uma coisa inesperada. Nunca pensou
que pudesse acontecer.”
Se não tivesse seguido os conselhos do meu tio,
talvez agora fosse apenas mais um professor reformado…
Acabei o meu curso e como não tinha nenhuns
recursos e já tinha uma família para sustentar… Casei aos 20 anos…
Fui para o
primeiro emprego possível - Delegado do Procurador da República interino, colocado em Santiago do Cacém.
Publicado originalmente no Jornal de Negócios em 2011
Dúvidas?
Sim, é ele, já designado como "O novo dono disto tudo".
DANIEL PROENÇA DE CARVALHO, ADVOGADO
Passando da narrativa na primeira pessoa para os muitos factos que comprovam ser "um
dos conhecedores por dentro de tudo o que se passou à vista de todos e ainda
conhece o que ocorreu nos bastidores, à vista de poucos"...
Atravessou os regimes de ditadura (como polícia e agente do MP)
e passou para este regime democrático sempre em lugar de relevo social e
político.
É o início da trama de acontecimentos que, de tantos e tão complexos, eu classifico de exponenciação an
E vou citar apenas a excelente descrição (os sublinhados são meus) feita em:
"Em 1974, com 33 anos, era um modesto advogado,
depois de ter sido delegado de procurador da República e inspector de polícia,
no Estado Novo de Salazar. Segundo um biógrafo improvável (Afonso Praça de O
Jornal) Proença tinha um lema: "os fins justificam os meios".
Maquiavel no seu melhor, portanto. Proença vinha da Soalheira, no Fundão, pobre
como se era na época.
Em 1968 passou a funcionário de Champallimaud, no
contencioso da empresa Cimentos de Leiria.
Foi nesse tempo que começou o julgamento da herança Sommer de que Champallimaud
era interessado. Proença, segundo Praça, teria participado, enquanto inspector
da Judiciária na instrução de um processo-crime relacionado mas tal não o
impediu de tomar a defesa da causa do patrão. Eticamente, estava bem preparado...e
quando aparece o 25 de Abril, sendo amigo de José Niza, inscreve-se no...PS, pois
claro. Partido que abandonou logo que os ventos começaram a mudar, ou seja por
altura da primeira bancarrota (1976-77) Proença já era de "direita",
no Jornal Novo que então dirigia. Uma direita sui generis, entenda-se.
A história conta-se melhor no “O Jornal” de 7-2-1986:
Proença foi então ministro da propaganda (Sá Carneiro
dixit) do VI governo de bloco central, de Mota Pinto, em 1978, quando se
preparava já a segunda bancarrota, dali a uns anos. Sá Carneiro no entanto,
nomeou-o presidente da propaganda na RTP, em 1980. Em 1983, Vítor Cunha Rego
terá mesmo escrito no jornal A Tarde, que " há muito que o sistema
político deste País teria desabado se Proença de Carvalho não estivesse onde
estava." Em 1983 estávamos noutra bancarrota...
Dali em diante foi sempre somar e encher o bolso, para Proença. Vejam-se os
recortes que nos contam tudo ou quase...a partir de 1981 e depois da AD de Sá
Carneiro.
Expresso de 3 Janeiro de 1981:
O Jornal de 5 de Junho de 1981:
O Jornal de 11 de Abril de 1986 em que Fernando Dacosta
escrevia sobre a "direita" portuguesa a propósito de Freitas do
Amaral (!) e de Proença de Carvalho (!!!) supostos representantes da dita
cuja...
Em 1986 Proença, foi, naturalmente, mandatário de Freitas
do Amaral na corrida presidencial que este perdeu para Mário Soares. Como o
Expresso escreveu na época...ficou às portas da terra prometida...
Em 1991, o governador de Macau, Carlos Melancia, indicado
pelo vencedor das presidenciais, teve problemas com a Justiça. Corrupção. Quem
foi o advogado? O representante da "direita", voilà!
Em 1995 a antiga ministra do PSD, Leonor Beleza,
designada futura líder sabe-se lá de quê, foi pronunciada por um juiz de
instrução da prática de crimes de homicídio doloso. Quem foi o advogado de
defesa da dita? O nosso homem do trio de los dos, voilà!
Expresso revista de 1 de Novembro de 1996:
Aproveitou entretanto todas as entrevistas generosamente
concedidas pelos média do sistema da bancarrota, para destilar o ódio
particular às instituições judiciárias, particularmente ao MP. Proença,
nunca o escondeu que preferia um MP à maneira do Estado Novo. Era bem mais
seguro para os interesses que representa, como se vê agora no caso de Angola...
E por isso mesmo, em 1999 já destilava as habituais catilinárias, desta vez
contra o então PGR Cunha Rodrigues (houve
apenas um PGR que agradou a Proença: o seu amigo Pinto Monteiro...).
Expresso de 27 Março 1999:
E actualmente, por onde anda Proença? Ora, ora. Depois de
defender José Sócrates dos ataques soezes que lhe fizeram, a esse paladino da
transparência pessoal e governativa, anda agora a acompanhar o presidente do
BES, Salgado de sua graça, nas deambulações angolanas por causa da maldita
Escom que ainda os vai desgraçar...
Como já se escreveu por aqui,
citando o abruti:
Proença de Carvalho é um exemplo típico:
advogado de José Sócrates, presidente do Conselho de Curadores da Fundação
Champalimaud, presidente do Conselho de Administração da Zon Multimédia, membro
da Comissão de Vencimentos do BES – um interessante cargo -, “chairman” da
Cimpor, ao todo, só no mundo empresarial, 27 cargos. Proença de Carvalho, como
muitos outros neste universo de “sempre os mesmos”, não é “dono”, mas amigo dos
“donos”.
Competência? Nalguns casos sim, noutros não. Mas não é a competência o critério
fundamental. É a confiança. Estes são confiáveis, são dos “nossos”, são dos
“mesmos”. Já foram testados mil e uma vezes, no governo, na banca, na advocacia
de negócios, no comentário político nos media, e mostraram que estão lá para
defender sem hesitações, os “nossos” interesses. Confiança é a palavra-chave
nos “sempre os mesmos”.
Proença de Carvalho pode dizer-se que será um dos indivíduos mais qualificados
em Portugal para explicar como é que sofremos três bancarrota em menos de 40
anos. Por uma razão simples: esteve em todas elas, como figura proeminente,
parda por vezes, mas sempre presente. E aproveitou bem o regime que as
produziu.
Seria interessante que alguém
revelasse o seu património...
CODA: Este indivíduo mai-lo seu apoderado da época, candidato a presidente da
República, seriam os putativos representantes da "direita".
Havia outro, ainda. Um certo José Miguel Júdice que até teria sido de
extrema-direita, cultor de um tal Primo de Rivera. Veja-se bem a pinderiquice
intelectual desta gente. Bastou que os ventos de mudança de regime passassem a
soprar um pouco mais a levante, para se postarem a jeito de aproveitarem a
maré.
Cedo mudaram para o centro e daí para a esquerda e até se aproximaram do PS, o
tal que se diz de esquerda e que teve um esquerdista notório como Sócrates, que
todos aqueles louvaram como um grande estadista português.
Lembrar isto é tão deprimente quanto lembrar as bancarrota que nos provocaram.
Até quando esta gente mandará em Portugal?"
01/05/2009 - Dias Loureiro e Proença de Carvalho cantam "Pomba
Branca, Alma Negra"
Jesus, fitando neles o olhar, disse-lhes: Isto é impossível aos homens, mas para Deus tudo é possível.” (Mt 19. 26).
Será?
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