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domingo, 11 de janeiro de 2015

A DÉCADA DA DIFERENÇA - 2


... A década de 60 foi, na minha vida, a época da diferença...
(poste de 11/11/2014) 



...ouvia-se o fado puro, num sentido quase religioso, onde não faltava o caldo verde e presenças como Ary dos Santos, David Mourão-Ferreira e Maluda, entre muitos outros.
O Fado é “mais do que um património, é o corpo, a alma e a história de um Povo”, terá afirmado Natália Correia.


E IA-SE À MODISTA...

No inicio da década de 60 avançava, em todo o mundo, a reconstrução do pós guerra na economia, na música, no cinema, no aparecimento dos primeiros electrodomésticos e também na moda.
Porém, em Portugal, esses efeitos aconteciam a um ritmo muito menos acelerado. 
As importações eram condicionadas pelo regime e pelo desequilíbrio dos sistemas de produção da maioria dos países europeus que viviam em estado de guerra. Aos portugueses restava a “paixão” pelas modas estrangeiras.

O Estado Novo insistia num sucesso nacional baseado na simplicidade e tradição, muito útil para a economia mas não para a moda.

 A mulher, com algumas excepções (no exercício do ensino, por ex.), deveria ser apenas o “chefe moral‟ da família.


Salazar trespassava o seu patriotismo, simplicidade, perspicácia e elegância através do vestuário, de acordo com descrição, em 1948, do jornalista Charles d´Ydewalle, : 
“Diviso somente um gentleman de mãos aristocráticas que veste uma finíssima camisa creme e um casaco assertoado, muito Sackville Row. Dir-se-ia um anúncio apostólico vestido por Londres,talvez um latino habituado a manipular dollars, com facílima facilidade de trato, uma educação requintada, parecendo ter todo o tempo para me receber, um homem mundano,sem gestos, sem nunca descruzar as pernas

Numa esfera mais abrangente, Peter York (1994) define sucintamente a moda ocidental: “tinha o seu establishmentuma espécie de Vaticano”, com “ditadores que estabeleciam as regras para serem seguidas por toda a gente".

As saias rodadas em godé, plissadas ou de pregas e os vestidos volumosos de cintura bem marcada, de comprimento abaixo dos joelhos (tendências da década de 50 !) continuavam a ser moda em Lisboa. 
O rabo-de-cavalo e a franja perpetuavam-se nos penteados, assim como a maquiagem dos olhos com muito delineador e rímel, os lábios vermelhos, o uso de sapatos sabrinas, meias de vidro, luvas e o famoso perfume Chanel Nº 5.
Havia a preocupação de não dar nas vistas.

E foi assim, de vestidos rodados, sabrinas de cor amarela e tranças transformadas em rabo-de-cabelo, que me mudei para a capital. 

As saias de pregas eram de "Terylene", eternas e muito práticas. Não precisavam de ser engomadas e secavam rapidamente. 
Em muitos colégios faziam parte dos uniformes.



Ainda sem muitas lojas de Prêt-à-porter por cá (com destaque para o Grandella, Lanalgo, Loja das Meias e Loja das Malhas), eu tinha uma costureira para as roupas do dia-a-dia, transformações e arranjos e uma modista que fazia o desfile dos seus próprios modelos, decalcados de revistas estrangeiras - os “figurinos” - para vestidos de festa e de cerimónia, casacos compridos, tailleurs e chapéus. Também eram meus favoritos os fatos tricotados à máquina, por medida.
O "feitio" dos trajes e a escolha dos tecidos definiam o estatuto e o bom/mau gosto da pessoa.
  


Se o biquíni ainda era proibido, não sei; mas recordo-me de não ter tido qualquer problema de escolha entre dois tipos de fatos de banho...
O tecido de fantasia na parte da  frente era duplo.


Na praia das Maçãs

Porém, este período de transição durou pouco.

BB foi a imagem entre os dois ideais de beleza bem diferentes - o da mulher conservadora ‘New Look’ de Dior e o do advento ‘anti-moda’ irreverente, rebelde e informal da segunda metade da década dos 60’s.



Com o sucesso de Elvis Presley, dos Beatles, do rock’n'roll, a juventude da década de 60 influenciou a moda, trocando o estilo clássico pelas mini-saias de Mary Quant e blusões mais curtinhos. As meias e cintos de ligas foram substituídos por collants finos, coloridos e com padrões.

A mulher passou a valorizar mais o corpo tendo como referência Brigitte Bardot (de linha mais sexy) e o modelo Twiggy (super-magra, de visual andrógino, a apostar em peças de linhas geométricas).

A luta entre duas forças - dos Beatles e de Bob Dylan - deu origem a uma enorme variedade de estilos.


 Em 1965 Yves Saint Laurent cria o Vestido Mondrian.

As roupas de Bonnie, especialmente as boinas e as saias compridas, do filme Bonnie e Clyde de 1967, fizeram furor. 

Com a preparação da ida de Neil Armstrong à Lua (em 1969, de acordo com a versão oficial...), surge o visual inspirado na era espacial, caracterizado por linhas direitas, assimetria, padrões geométricos, botões de grandes dimensões, tecidos plásticos e metalizados.


Era o fim da moda única e a forma de vestir tornava-se cada vez mais adaptada ao comportamento.

Sem ser super-magra, mas magra, só poderia ter aderido ao estilo adolescente do modelo Twiggy – olhos bem marcados (havia estojos tipo lápis com diversas cores em degradé, para as pálpebras), cabelo curto, meias-calças coloridas, alguns vestidos de linha trapézio e saias bastante acima do joelho, de cintura baixa.


Alguns modelos e padrões que na época fizeram parte do meu pronto-a-vestir.

 No início dos anos 60 a Loja das Meias já tinha começado a importar calças jeans da marca Levi’s "pronto-a-vestir" de Itália, França e Inglaterra com marcas de Daniel Hechter, Christian Dior, Ted Lapidus, Mary Quant e sapatos Christian Dior
Porém, apesar de ter sido  novidade naquela altura, só era acessível a clientela com maior poder de compra.


Felizmente, em 1965 abriu uma loja especializada em vestuário jovem, “Os Porfírios”copiado de tendências importadas mas de fabrico nacional.
Os têxteis nacionais usavam-se nas etiquetas Sidney e Almagre.

Lembro-me de ter experimentado uma espécie de ruptura com um passado monótono e rançoso, dependente de provas e mais provas em costureiras e modistas.
Como refere Manuel Alves: «a única ligação com o mundo, num Portugal pautado por uma mentalidade um bocado tacanha e provinciana, a loja remava contra a maré e o obscurantismo do país»


Agora já podia obter os jeans à "saint-tropez", as camisas coloridas e às flores, as famosas mini-saias e toda a variedade de acessórios - anéis, pulseiras, colares, lenços, boinas, cintos e carteiras, por preços acessíveis.
Nos primeiros anos, as pessoas faziam bicha no balcão e até na rua, embora os preconceitos dos anos 60 a apelidassem de "Loja dos 300".



E outras lojas se foram juntando ao espírito do "pronto-a-vestir"; umas mais clássicas (Loja das Meias e Ayer), outras igualmente arrojadas (A Outra Face da Lua, Migacho, Delfieu e Tara), assim como 007 e a mítica “Maçã”, minhas preferidas. 

A alta-costura perdia cada vez mais terreno .
O primeiro a tomar consciência dessa realidade foi Yves Saint Laurent que inaugurou uma nova estrutura com as boutiques de prêt-à-porter de luxo, multiplicadas pelo mundo através das franquias.
Nesse contexto, Jean Shrimpton, Catherine Deneuve, a irmã  Françoise Dorléac e outras, eram a personificação das chamadas “chelsea girls.


A década termina com as saias midi (adorei um tailleur adquirido no Harrods...) e as maxi, os padrões psicadélicos (inspirados em elementos da art-noveau do Oriente, do Egipto antigo) e a revolução Hippie / Flower Power, caracterizada pelo uso de calças de ganga largas ou "boca-de-sino" muitas vezes com aplicações florais ou bordados, vestidos compridos e t-shirts justas com mais cor e motivos de influência oriental, nomeadamente da Índia, sapatos “Chuck Tayler”, sandálias de estilo romano, óculos grandes, pulseiras de grãos, brincos de penas, colares longos.


O mundo da moda, até então repleto de luxo, é arrastado com a queda das elites que perdem o monopólio para as classes juvenis. Os adolescentes são vistos como os maiores divulgadores da indústria da cultura de massas.


 A moda masculina, no início da década, foi muito influenciada pelos Beatles e ao longo dela sofreu uma transformação radical. Havia roupas baratas e coloridas  produzidas expressamente para os jovens e vendidas nas novas boutiques.

Em 1968, enquanto Salazar entra para a clínica da Cruz Vermelha para ser operado (deixou o poder em plena guerra colonial),novo espírito misturava-se em perfeita unanimidade com o espírito da eminente crise do regime, na década seguinte.


E hoje, ir à modista voltou a estar na moda! 
Porque há muitos clientes que querem usar peças únicas feitas por medida, à antiga.
Caprichos das novas elites...

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