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terça-feira, 29 de setembro de 2015

A CAMINHO DE BRAGANÇA - 3


"Desde a infância e a adolescência que guardo comigo essas paisagens, (...) e sobretudo “aquele céu”. Sobre “aquele céu”, nunca encontrei palavras para o descrever: azul intenso, quente e doce, rasgado sobre horizontes que não terminam e que escondem aldeias misteriosas (...)"
Francisco José Viegas
(Natural do Pocinho)

E “aquele céu” vai dando lugar a outro um pouco menos doce à medida que nos vamos aproximando da altitude de 700 metros acima do nível do mar - Bragança (fundada no século II a. C, com o nome de Brigância dado pelos Celtas), a cidade mais setentrional de Portugal Continental.

Depois de termos passado por Macedo de Cavaleiros, entrámos na autoestrada em Samil para “descobrir” a cidade pelo sul.

- Que modernismo!
 Onde vamos almoçar?
- Um Shopping seria o ideal. As montras regalam os olhos enquanto o estômago se distrai a impregnar os alimentos de suco gástrico!
- Boa ideia. Há o Bragança Shopping aqui mesmo, na rua principal, a avenida Sá Carneiro

- E que tal o Centro Comercial?
- Além de simpatia, uma decepção. Tem muitos espaços de lojas vagos, os preços são relativamente elevados, a restauração é pouco variada e a estrutura arquitectónica, além de “desenquadrada” na cidade que eu imaginava, não facilita a orientação no interior.
- O estacionamento pago também não é convidativo.


Aqui em redor só o edifício da estação me merece alguma referência.
Era uma antiga infraestrutura  de linha do Tua  que serve a cidade de Bragança; entre 2001 e 2004 passou por importantes obras de alteração. Apresenta manifestações arquitectónicas vernáculas – as paredes de grande espessura transmitem estabilidade ao edifício e contribuem para o equilíbrio das temperaturas no interior do seu espaço e o acabamento das fachadas com cal branca permite, também, melhores características de protecção contra a chuva e o vento.
- Parece que ainda está a decorrer no Castelo a Feira Medieval. A entrada é gratuita. Vamos até lá?
- É. Aproveitamos para ver a Cidadela

Deixámos o nosso meio de transporte num largo, frente ao Convento e Igreja de S. Francisco, de origem românica, reedificado no século XVII (Protegido pela Rainha Santa Isabel por ter sido o primeiro convento que visitou ao entrar em Portugal quando veio do Reino de Aragão ao encontro de D. Dinis) e subimos a Rua fonte da rainha.
Hoje é a sede do Arquivo Distrital - Biblioteca Pública de Bragança


A Fonte, do século XVIII, de espaldar, constituída por um tanque de planta rectangular, com remate em empena e cornija, é no topo da rua.
E, ao longo de todo o percurso, do lado esquerdo, há uma série de cruzes em pedra cujo significado desconheço mas que faz lembrar um dos pontos de passagem das vias romanas para criar rotas de viagem


A cidadela, construída no século XII por monges beneditinos numa colina é amuralhada, com 15 torres e três portas de acesso - Porta da Vila, por onde entrámos, feita na própria muralha da fortaleza; Porta de Santo António, um pouco mais interior, entre dois torreões e Porta do Sol, no lado oposto. Em redor, destacam-se jardins bem cuidados.


Dentro, há um conjunto de ruas estreitas, íngremes e empedradas, perpendiculares à rua principal, com início nas Portas do Sol, e alguns largos.

Entre os edifícios históricos, ergue-se o Castelo com uma imponente Torre de Menagem onde agora está o Museu Militar que documenta o armamento usado desde o início da nacionalidade até ao século passado; o Pelourinho, constituído por dois elementos bem separados no tempo - o Pelourinho propriamente dito, do "tipo bragançano" e uma figura zoomórfica proto-histórica, popularmente designada por "porca da vila"; a Domus Municipalis, edifício pentagonal, único da arquitectura civil medieval em Portugal, onde se reuniam os "homens bons" e se recolhia água para a cisterna da Cidadela; a Igreja de Santa Maria, de origem românica que adquiriu um estilo barroco quando foi restaurada no século XVIII e tem o Portal principal ladeado de colunas salomónicas decoradas.

Há também dezenas de casas caiadas de branco e alguns edifícios de um ou dois andares que parecem ter sido remodelados, embora alguns dos materiais utilizados, como o alumínio, não se “ajustem” com a imagem deste espaço.
Museu Ibérico da Máscara e do Traje, dedicado à celebração de trajes dos rituais carnavalescos típicos da região de Trás-os-Montes e das zonas vizinhas de Espanha, está instalado num destes prédios. 
Nos dias 15, 16 e 17 de Agosto, a cidade de Bragança revive a época medieval dentro da cidadela, à volta do castelo, através da reconstituição  de eventos históricos. A encenação pode focar acontecimentos históricos relevantes de uma determinada época ou recriar apenas uma época de forma geral.
Há demonstração de ofícios antigos e espectáculos relacionados com costumes, vestuários, damas da Corte e cavaleiros, malabaristas e trovadores, magia e fogo

Programa:
Momentos de Recriação Histórica
14/08 - Anúncio da Carta de Feira            15/08 - Reforço da Segurança
16/08 – Chegada dos Mercadores             17/08 – Festim
Áreas Temáticas
Posto de Controlo            Rua dos Larápios
Largo Escuro                   Encruzilhada
Praça de Ofícios               Área Militar
Jogos e Brincadeiras         Feira
Praça de Sustento

Porém, como chegámos só na tarde do dia 17, já havia pouca animação
Foi na Idade Média, a partir dos séculos XI e XII, que surgiram as feiras em volta dos castelos e abadias (burgo), onde se compravam e vendiam mercadorias.
Criadas pelos mercadores, que se deslocavam de uma região para outra, destacaram-se como importantes entrepostos comerciais e como centro do desenvolvimento urbano. Foram eles que exerceram as primeiras actividades bancárias, transformando-se em pessoas ricas e poderosas. 

Fragmentos de Bragança - vista da muralha da cidadela

O fim do dia estava a aproximar-se. Um último olhar e o regresso à Cerdeira com o propósito de encontrar a oportunidade para poder admirar as belas encostas vinhateiras do Douro a bordo de uma embarcação, navegando calmamente nas suas águas...







quinta-feira, 17 de setembro de 2015

A CAMINHO DE BRAGANÇA - 2



Feitos mais 6,7 km na estrada nº 102, chega-se ao Pocinho, termo actual da Linha do Douro.

As enormes potencialidades desta aldeia do concelho de Vila Nova de Foz Côa, contribuíram, com certeza, para que o jornal britânico “The Telegraph” tenha classificado aquele concelho como «destino cultural de excelência» juntamente com a região do Minho, Coimbra e Conímbriga, Cascais e Sintra e Alentejo.

E vamos ficar por aqui algum tempo para as "descobrir".

A pequena aldeia cresceu como entreposto comercial de minério e produtos agrícolas devido à sua localização estratégica, após a construção da estação, no século XIX. As linhas ferroviárias uniram as principais localidades da região norte do país entre a Linha do Douro e a desactivada linha do Sabor.
No cais do grande e bonito edifício amarelo da estação há um alpendre suportado por consolas e painéis de azulejos com cenas rurais.

Impossível deixar de assinalar o encerramento da ligação internacional a Salamanca, fechada em 1985 e a de entre o Pocinho e Barca d'Alva em 1988...


Mais tarde, já na década de 80, a construção de uma barragem e a criação da albufeira deram-lhe novo impulso.

A barragem do Pocinho, inaugurada em 1982, fica situada junto à aldeia, ao km 180 da via navegável do Douro, entre a foz do rio Sabor e rio Côa. 
Como inclui uma eclusa com 22 metros de desnível que permite a passagem de cruzeiros, a navegação não fica limitada apenas a embarcações locais.
Actualmente, faz  a ligação rodoviária entre os distritos da Guarda e Bragança.

Antes da construção da barragem, a travessia era feita através de uma ponte metálica rodo-ferroviária de desenho qualificado da engenharia do ferro.

É uma infraestrutura da Linha do Sabor sobre o Rio Douro que liga o Pocinho ao concelho de Torre de Moncorvo.Tem dois tabuleiros sobrepostos; um, superior, que servia de caminho-de-ferro entre o Pocinho e Duas Igrejas e outro, inferior, para a circulação de automóveis. 
Está fora de serviço há 22 anos para ambos os tipos de tráfego.


Na albufeira praticam-se actividades desportivas e de lazer (de utilização livre) - navegação à vela, natação, barco a motor, remo - e pesca e surf (condicionadas).

Cais fluvial do Pocinho, instalado a montante da barragem, na margem esquerda do rio, permite a acostagem de cruzeiros, mini-cruzeiros e   embarcações de recreio.

O Município, todos os dias (desde que haja um número mínimo de pessoas) organiza passeios pelo Douro no barco rabelo “Senhora da Veiga”, entre a Régua e Barca d’Alva. 
O barco, em madeira, é uma réplica dos rabelos tradicionais que transportavam as pipas de Vinho do Porto do Alto Douro até às caves de Vila Nova de Gaia, mas agora com todas as condições modernas de segurança. Tem serviço de almoço regional a bordo e capacidade para transportar 70 passageiros.

Deste local de baixa altitude, a paisagem continua a ser um belo espectáculo  natural de águas calmas num rio alargado e "vivido".
“… E existe a luz, a luz fantástica do Douro, a luz misteriosa das suas águas e da poeira que vai de uma margem a outra (...).”
Miguel Torga
  

Há um parque de estacionamento onde, frequentemente, se reúnem muitas pessoas para observar os Cruzeiros que passam na eclusa (procedimento que demora cerca de 30 minutos) e a passagem dos barcos.




Nós também ficámos algum tempo mas só iríamos ver um deles quando, já de novo na estrada, continuávamos o nosso percurso a caminho de Bragança. 


Referenciar o Centro de alto rendimento de remo do Pocinho, nomeado para o prémio alemão de design, na categoria de “excelente design de comunicações” e referido pelo júri do prémio ECOLA (European Conference of Leading Architects), como “a elegância da forma no modo como o desenho integra a paisagem”, considerando a sua inclusão no contexto do vale do Douro, é imprescindível.
A estrutura, com forma de edifício social, foi construído para preparar e formar atletas de alta competição. Uma parte está parcialmente escondida no subsolo para minimizar o seu impacto sobre a paisagem circundante



domingo, 13 de setembro de 2015

A CAMINHO DE BRAGANÇA - 1


- E se fôssemos até Bragança?
Conheço muito pouco de Trás-os-Montes
- Eu também. Podemos ir sim, embora, independentemente do itinerário, não seja nada perto…
- Da Cerdeira até lá, são à volta de 200 km.
Se nos levantarmos bem cedo podemos almoçar já em Bragança. Antes, vamos descobrindo alguns miradouros e desfrutar o panorama do Douro.
- Também queres ir, M?

Vila Nova de Foz Côacidade com dois patrimónios mundiais - o Alto Douro Vinhateiro e as Gravuras Rupestres - foi a primeira paragem.

Apesar da riqueza do seu património histórico, a nossa estadia nesta terra não passou além da Praça do Município com destaque para a Igreja Matriz, construída sobre um templo românico, no reinado de D. João II (de influência castelhana e portal Manuelino, sofreu várias modificações e o espólio foi saqueado durante as invasões francesas) e o Pelourinho, também do estilo manuelino


Sabíamos que havia por perto um largo miradouro. Mas nenhuma das "voltinhas" nos conduzia até lá nem a maioria dos inquiridos se explicava com clareza.
Era o Miradouro da Estrada da Costa (no cruzamento da Estrada Nacional 102, com o caminho da costa em direcção a Stº Amaro/Mós).

- Mas que lugar! A beleza natural do Vale do Veiga em pleno, bem no centro da região do Alto Douro...

A interpretação da paisagem que se alonga até à Serra de Bornes, é completada com alguns escritos na mesa de leitura acoplada à estrutura metálica sobre a escarpa.
Só por este magnífico espaço, panorama impressionante numa abrangência de quase 360 graus, já valeu a pena ter vindo.



E para os amantes deste “ excesso da natureza”, existem mais cinco principais que, com muito bons acessos, fazem parte da "Rota dos Miradouros de Foz Côadonde se avista (de quase todos, penso) o “Vale do Coa” e o Rio “Doiro”, como Miguel Torga apaixonadamente lhe chamava.



São Leonardo de Galafura, 8 de Abril de 1977.

«O Doiro sublimado.
O prodígio de uma paisagem que deixa de o ser
à força de se desmedir.
Não é um panorama que os olhos contemplam:
é um excesso de natureza.
Socalcos que são passados de homens titânicos a subir as encostas,
volumes, cores e modulações que nenhum escultor pintou
ou músico podem traduzir,
horizontes dilatados para além dos limiares plausíveis de visão.
Um universo virginal, como se tivesse acabado de nascer, 
e já eterno pela harmonia,
pela serenidade, pelo silêncio que nem o rio se atreve a quebrar,
ora a sumir-se furtivo por detrás dos montes,
ora pasmado lá no fundo a reflectir o seu próprio assombro.
Um poema geológico.
A beleza absoluta».
Miguel Torga in "Diário XII"

Saímos depois por sinuosas estradas sem as amendoeiras floridas da Primavera, em direcção ao Pocinho.