Alto, abdómen protuberante, voz bem timbrada, olhos esverdeados atrás de lentes divergentes, com ténis, calções e um saco de plástico na mão, apresenta-se:
- É a D. Teresa? Sou o R. e venho por indicação da D. A,
para limpar as janelas. Daquela sua amiga ali da Praceta de baixo.
- Ah! Sim, sei. Entre, então.
- Traz alguns productos, algum auxiliar de limpeza?
- Trago os meus braços. Se a Senhora não tiver detergentes
posso ir comprar. Depois só preciso de uns trapos, jornais e um escadote.
- Tenho, tenho.
(E abri um armário para ele tirar os que achasse mais
adequados)
- Por onde devo começar?
- Pode ser ali
pelos quartos porque aqui deste lado o sol dá em cheio…
- Eu tiro as vidraças e as persianas (quando é possível) meto-as na banheira, lavo-as com água quente e sabão…
(E etc. Um etc. muito pouco ortodoxo, mas razoavelmente
eficaz)
Em cima da escada:
- Quando comecei a fazer estes trabalhos, estava
desempregado. A empresa onde estava fechou há um ano e, entretanto, a da minha
mulher também. Como tenho dois filhos, não podia baixar os braços; resolvi "
fazer-me à estrada”.
Agora, felizmente já arranjei emprego. Mas enquanto
puder, vou continuar a trabalhar nisto aos sábados. Nisto e noutras coisas. Se
a Senhora quiser que a leve a qualquer lugar que precise, também cá estou; ao
cabeleireiro, por ex.
E por falar em cabeleireiro, a minha mulher ajeita-se
muito bem e já vai a casa de muitas senhoras. Tem é que ser nos fins de semana ou depois
do meu trabalho, claro
- Gosto de saber isso, sim.
- Sabe, há muita gente a passar mal. Tenho um amigo que
também ficou sem emprego. Esse entregou a casa que andava a pagar há 25 anos.
Faltavam-lhe 10. Agora lá foi de novo bater à porta dos Pais que, coitados, até
nem são de muitas posses e a casa é pequena. Já lhe tenho emprestado dinheiro
algumas vezes. A gente olha prás crianças - têm dois filhos pequenos - e não é
capaz de dizer não...
Tá a gostar do meu trabalho? Oxalá que sim.
- Sim, estão a ficar bem brilhantes.
- Então daqui a uma hora cá estou de volta. Agora vou almoçar. Hoje às cinco vou preparar as cadeiras ali no estádio do Benfica. Pagam mal, mas sempre
é mais algum. Vamos meter 3-0.
Eu dei uma gargalhada e disse:
- Depois conversamos...
E depois:
- Só me enganei no resultado do outro lado! - disse ele de chofre.
É preciso continuar a acreditar!
- Desde que haja argumentos convincentes Sr. R, segundo
o meu ponto de vista!
Sem comentários:
Enviar um comentário