À medida que o tempo passa, vou percebendo melhor o valor que a Mãe representava.
Ela será eterna num vazio repleto de afetos e de entrega.
Porque a dedicação - quase devoção - com que sempre acarinhou os seus, continua
a transmitir-se em tudo o que com ela teve proximidade.
Na opinião de Paddock “O amor de uma mãe não contempla o impossível”.
E foi assim, especial.
Aos 90 anos, quando partiu, ainda nos esperava em casa
com saudade, manifestava apreço pelos seus antepassados, falava do nosso Pai
com admiração e estima, tinha disponibilidade total para satisfazer caprichos,
mimava os netos com “presentinhos”, circulava em estadias sucessivas pelas
habitações dos filhos, escrevia às amigas, fazia renda e passatempos, assistia
à missa pela TV, participava em encontros de Natal e de Páscoa.
Tinha uma grande autoestima - gostava de se arranjar e
perfumar.
Era uma apaixonada pela vida!
Era uma apaixonada pela vida!
Como filósofa nata, falava de forma amistosa, conciliadora,
brincalhona. Oportuna no elogio, humilde perante pessoas mais informadas, era companhia
de privilégio.
Com a cabeça inclinada entre as mãos, apoiadas nos
cotovelos para disfarçar qualquer contrariedade, ocultava o olhar luminoso e o sorriso
único.
Regalava-se com o seu jardim!
Sentada em frente e observando-o com minúcia, dizia:
- Já reparaste naquela roseira que é mais alta do que o muro?
E a cor da malva é linda, não é? Também gosto muito das hortências. As geadas é
que queimam tudo.
Ah! Os gatos!
- Este era da vizinha mas como tinha fome porque ela passa os dias nas hortas, foi-se habituando a ficar por aqui, junto dos outros. Sempre apanha um ratinho de vez em
quando e é muito meiguinho.
- Chaninho, vem cá…
O “Amigo da Verdade”
- O Pai estava sempre à espera do jornal, sentado aí
nessa cadeira onde tu estás. Vinha ao Domingo. É um jornal muito antigo, do
tempo do Sr. Dr. Alberto Diniz da Fonseca, quando era professor e director da
Escola Regional.
Parece-me que ainda estão alguns nessa gavetinha.
Correio
- M, já viste se há correio hoje?
Agora poucas pessoas escrevem. Só se for a prima F., de Santos.
Disse que gostava de cá vir com o filho, que é médico.
Ou então, da eletricidade…
Galinhas
- Quando tinha galinhas, ainda me distraía um bocado. Levava-as
ali pra fora e sempre aparecia alguém a dar dois dedos de conversa. E só por isso, o Pai também gostava de as guardar.
Era assim que nos últimos anos passava a Primavera e o Verão,
até princípios de Novembro, altura dos Fiéis Defuntos.
Mas houve a Mãe das hortas, dos almoços-de-rancho nas ceifas, vindimas e matanças, do
racionamento, dos problemas do drama quotidiano nos anos 40, 50 e 60, do mês-de-Maria, dos vestidos de domingo, do cordão umbilical de seis filhos, do tempo
que nunca teve para ela, do abrigo às duas minhas avós, da companheira inseparável
dum marido que tinha "proprietário"como "profissão" (usada para efeitos de BI/legais! - Naquele tempo, ou se tinham terras ou não se tinham porque não havia bancos para
emprestar dinheiro para as comprar, como poderá ler-se nos romances de Camilo ou de Eça -), da
compreensão e dos tabefes, do repartir por sete e não por oito, do terço à
noite, dos fatos prás procissões, da canja de galinha e o Fricassé, da mão cansada mas sempre estendida, das épocas festivas e das romarias,
do “coração de Mãe, abismo no fundo do qual se encontra sempre perdão” (Balsac)
E que profissão deveria ter a Mãe para efeitos de
BI?
Talvez a resposta devesse ser igual à daquela conhecida história
em que uma mulher chamada Anne, quando quis renovar a carta de condução e disse
que era “Mãe”, mas que não foi aceite por não ser considerado um trabalho: “Pesquisadora
Associada no Campo do Desenvolvimento Infantil e das Relações Humanas”= programa
permanente de pesquisa (qualquer mãe tem), em laboratório e no terreno (dentro
e fora de casa), para os Mestres (toda a família), com seis provas dadas (seis
filhos), um dos trabalhos mais exigentes da área das humanidades (qual a mulher que discorda?), durante 14 a 24 h/dia…
Sempre achei que a Mãe fazia uma certa analogia daquelas
flores “à vista” com as outras “flores” distantes, os filhos. Como as
relacionava, não sei; mas dizia:
- Aquela foi a T. que a trouxe; a M. trás muitas lá de
Coimbra; a P. é que deitou ali a terra; lembras-te de teres ido à Guarda comprar
aquele tubo comprido? A C., quando a M. era mais pequena, encontrava-a escondida
atrás dos ramos; às vezes, o R. ia buscar uns baldes de água ao chafariz.
Juntava as virtudes do girassol/dignidade, da
mimosa/segurança, do alecrim/alegria, do lírio/majestade, da violeta/classe, da
prímula/juventude, da glicínia/ternura ou de outras e, com elas, fazia uma aguarela.
Esperava mensagens da flor-de-lis e, pela saudade,
saudades mandava.
Esqueci-me de alguma coisa, Mãe?