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sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

OLÁ, MÃE


À medida que o tempo passa, vou percebendo melhor o valor que a Mãe representava.

Ela será eterna num vazio repleto de afetos e de entrega. Porque a dedicação - quase devoção - com que sempre acarinhou os seus, continua a transmitir-se em tudo o que com ela teve proximidade.

Na opinião de PaddockO amor de uma mãe não contempla o impossível”.

E foi assim, especial.

Aos 90 anos, quando partiu, ainda nos esperava em casa com saudade, manifestava apreço pelos seus antepassados, falava do nosso Pai com admiração e estima, tinha disponibilidade total para satisfazer caprichos, mimava os netos com “presentinhos”, circulava em estadias sucessivas pelas habitações dos filhos, escrevia às amigas, fazia renda e passatempos, assistia à missa pela TV, participava em encontros de Natal e de Páscoa.

Tinha uma grande autoestima - gostava de se arranjar e perfumar.
Era uma apaixonada pela vida! 
Como filósofa nata, falava de forma amistosa, conciliadora, brincalhona. Oportuna no elogio, humilde perante pessoas mais informadas, era companhia de privilégio.
Com a cabeça inclinada entre as mãos, apoiadas nos cotovelos para disfarçar qualquer contrariedade, ocultava o olhar luminoso e o sorriso único.

Regalava-se com o seu jardim!
Sentada em frente e observando-o com minúcia, dizia:
- Já reparaste naquela roseira que é mais alta do que o muro? E a cor da malva é linda, não é? Também gosto muito das hortências. As geadas é que queimam tudo.


Ah! Os gatos!
- Este era da vizinha mas como tinha fome porque ela passa os dias nas hortas, foi-se habituando a ficar por aqui, junto dos outros. Sempre apanha um ratinho de vez em quando e é muito meiguinho.
- Chaninho, vem cá…

O “Amigo da Verdade”
- O Pai estava sempre à espera do jornal, sentado aí nessa cadeira onde tu estás. Vinha ao Domingo. É um jornal muito antigo, do tempo do Sr. Dr. Alberto Diniz da Fonseca, quando era professor e director da Escola Regional.
Parece-me que ainda estão alguns nessa gavetinha.

Correio
- M, já viste se há correio hoje?
Agora poucas pessoas escrevem. Só se for a prima F., de Santos. Disse que gostava de cá vir com o filho, que é médico.
Ou então, da eletricidade…

Galinhas
- Quando tinha galinhas, ainda me distraía um bocado. Levava-as ali pra fora e sempre aparecia alguém a dar dois dedos de conversa. E só por isso, o Pai também gostava de as guardar.

Era assim que nos últimos anos passava a Primavera e o Verão, até princípios de Novembro, altura dos Fiéis Defuntos.


Mas houve a Mãe das hortas, dos almoços-de-rancho nas ceifas, vindimas e matanças, do racionamento, dos problemas do drama quotidiano nos anos 40, 50 e 60, do mês-de-Maria, dos vestidos de domingo, do cordão umbilical de seis filhos, do tempo que nunca teve para ela, do abrigo às duas minhas avós, da companheira inseparável dum marido que tinha "proprietário"como "profissão" (usada para efeitos de BI/legais! - Naquele tempo, ou se tinham terras ou não se tinham porque não havia bancos para emprestar dinheiro para as comprar, como poderá ler-se nos romances de Camilo ou de Eça -), da compreensão e dos tabefes, do repartir por sete e não por oito, do terço à noite, dos fatos prás procissões, da canja de galinha e o Fricassé, da mão cansada mas sempre estendida, das épocas festivas e das romarias, do “coração de Mãe, abismo no fundo do qual se encontra sempre perdão” (Balsac)


E que profissão deveria ter a Mãe para efeitos de BI?

Talvez a resposta devesse ser igual à daquela conhecida história em que uma mulher chamada Anne, quando quis renovar a carta de condução e disse que era “Mãe”, mas que não foi aceite por não ser considerado um trabalho: Pesquisadora Associada no Campo do Desenvolvimento Infantil e das Relações Humanas= programa permanente de pesquisa (qualquer mãe tem), em laboratório e no terreno (dentro e fora de casa), para os Mestres (toda a família), com seis provas dadas (seis filhos), um dos trabalhos mais exigentes da área das humanidades (qual a mulher que discorda?), durante 14 a 24 h/dia…
  

Sempre achei que a Mãe fazia uma certa analogia daquelas flores “à vista com as outras “flores” distantes, os filhos. Como as relacionava, não sei; mas dizia:
- Aquela foi a T. que a trouxe; a M. trás muitas lá de Coimbra; a P. é que deitou ali a terra; lembras-te de teres ido à Guarda comprar aquele tubo comprido? A C., quando a M. era mais pequena, encontrava-a escondida atrás dos ramos; às vezes, o R. ia buscar uns baldes de água ao chafariz.

Juntava as virtudes do girassol/dignidade, da mimosa/segurança, do alecrim/alegria, do lírio/majestade, da violeta/classe, da prímula/juventude, da glicínia/ternura ou de outras e, com elas, fazia uma aguarela.


Esperava mensagens da flor-de-lis e, pela saudade, saudades mandava.

Esqueci-me de alguma coisa, Mãe?


4 comentários:

  1. Provávelmente,sim.
    Ela era tudo isso.Descrevê-la melhor,não seria capaz.
    Sublinho apenas a extraordionária psicologia nas relacões interpessoais que soube gerir de forma harmoniosa e conciliadora ao nivel da vizinhança e, sobretudo, dentro da família.
    Que afortunadas fomos em ser suas filhas!
    E o seu doce sorriso permancerá em mim para sempre.

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  2. Ói, Tina
    FILHAS, dizes bem…
    Mas o espaço é que não chega para as coisas “esquecidas”. Teria que escrever um livro!
    Jinho

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  3. Transcrição do comentário do Vitor:

    "Gostei sobremaneira do que escreveu, aliás, com verdade e autenticidade. De facto a vossa mãe viveu até ao fim com dignidade e sabedoria.
    Dignidade, porque nunca quis abrir mão do que tinha por seus pergaminhos tanto mais efectivos quanto reconhecidos (até no tratamento com diminutivo carinhoso e respeitoso com que era normalmente brindada em casa e fora dela). Foi fiel aos valores em que nasceu e foi educada, viveu e morreu crente em Deus - expressão suprema de senso do bom.
    Sabedoria, porque viveu a vida com um humor próprio. Amou e foi amada. Talvez por isso, tinha manifesto amor próprio mas também compaixão. Sabia acolher. Sabia e gostava de festejar e celebrar com alegria. Soube prevenir os conflitos, soube tornar-se leve para os seus e em tudo foi boa observadora porém, sem intromissões. Guardou para si as mágoas mais fundas (que as teve, adivinho) como é normal e corrente).
    De modo que, parecendo tão óbvio (e saudável) que os filhos, no seu mais íntimo ser, se recordem dos pais com ternura, menos exigente se torna que celebrem a sua memória. E celebração é manifestação.
    Ora, ao tornar assim manifestos os seus sentimentos para com a memória da mãe também nos deu muito de si própria. E, por isso e porque afinal a musa também a quis assistir no modo como celebrou, a felicito.
    Beijinhos do cunhado rural.

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  4. Olá Vítor
    Fiquei muito sensibilizada com o comentário que acabei de ler.
    Falar sobre a Mãe não é difícil nem é preciso inspiração. Basta descrevê-la como foi: nobre, sábia, sensível, apreciadora do valor da VIDA.
    Obrigada por torna-la extensível às minhas palavras
    Beijinho.

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