Antigo
desenho de picota na Mesopotâmia, entre 2200 e 2400 a. C
Nas décadas de 50 e 60 a água de rega na Beira Alta, e
talvez em todo o País rural, foi sempre assunto de grande preocupação e
angústia porque a sobrevivência dependia dela.
Era essencial para o cultivo dos produtos agrícolas, para
alimentação dos animais domésticos, para o desenvolvimento da economia central,
para a vida dum modo geral, nos tempos difíceis e quase desumanos daquela época.
Quando o calor se fazia sentir severamente nos meses de
junho, julho e agôsto, altura em que as culturas precisavam de mais água, os agricultores
alternavam-se para regar parcelas em partes do dia porque não chegava para
todas as hortas.
Hortas
Havia grandes desentendimentos (por vezes mortais) causados
pela disputa no direito a águas de rega comuns. Alguns ficavam de guarda até
amanhecer, embrulhados em mantas, para serem os primeiros a utilizá-las;
outros, se corriam mais que o habitual, passavam mesmo a noite toda a regar encaminhando
a água com os pés descalços por entre os sulcos.
Tal como em tudo o que era comunitário, existiam regras que deviam ser respeitadas pelos que tinham direito a servir-se dela a fim de
que ninguém ficasse prejudicado.
Penso que o horário noturno não seria
permitido…
Havia diferentes maneiras e sistemas para captar água - fazendo
fontes e poços; aproveitando ribeiros, regatos, encostas e sopés de montes para construir açudes; utilizando noras e picotas para a elevar.
Lembro-me de os meus Pais terem todas as propriedades (Ferreirinha,
Espadanal, Frei Miguel, veigas) destinadas ao cultivo de milho, batatas,
hortaliças, leguminosas, árvores de frutos, etc., providas de vários destes sistemas, privilégio
muito valioso não só para a irrigação como para valorizar uma possível venda naquela
época.
Açude ou represa
É uma construção feita em cursos de água, meias encostas (de chuvas infiltradas) ou sopés de montanhas (tirando proveito dos diversos desníveis),
destinada a reter a água a fim de poder ser desviada para irrigação.
A este processo, quando as represas ficavam acima da
terra a regar, chamava-se sistema de rega com “água por seu pé” ou “água pelo
rego” porque corria com a força da gravidade, sem precisar de ser elevada
por meio de noras ou cegonhas.
A água armazenada era transportada através de levadas e
direcionada pelo agricultor nos regos feitos com enxada ou arado para chegar às
plantas.
Se o açude fosse comum a várias propriedades, havia que
respeitar rígidos sistemas de partilha dos tempos de utilização, regulamentados
por escrituras públicas, transmitidos e respeitados ao longo de gerações.
Açudes
Noras
São engenhos ou aparelhos para tirar água dos poços, ribeiras
e rios formados por uma roda com alcatruzes e uma haste horizontal acoplada
a um eixo vertical que por sua vez está ligado a um sistema de rodas dentadas.
Os alcatruzes são postos a circular através deste sistema
entre o fundo do poço ou rio e a superfície exterior; descem vazios, sobem
cheios e quando atingem a posição mais elevada começam a verter a água numa
calha passando desta para a regadeira que a conduz até aos campos cultivados, sempre do
mesmo modo, durante o tempo necessário ou enquanto houver água.
As noras eram habitualmente movidas por muares ou
asininos ligados à engrenagem por um cambão de madeira. Tapavam-lhes os olhos para não se assustarem ou perderem o sentido da orientação e andavam em marcha constante,tipo carrocel, num círculo à volta
da roda, na direção contrária aos ponteiros do relógio.
Para manter o ritmo do animal, o agricultor encarregava
um petiz ou algum dos filhos mais novos, depois das aulas. Algumas vezes, como a tarefa era monótona, introduziam pauzinhos na engrenagem para brincar, correndo o
perigo de serem arrastados por ela.
Ainda me recordo claramente da chiadeira lamuriante das
imensas noras a rodar nas tardes quentes de verão…
Havia noras de armação rígida ou flexível conforme o
local de captação da água, o espaço e as possibilidades económicas.
Nas de armação rígida, os alcatruzes eram como verdadeiros baldes mas nas de armação flexível, adaptadas a poços de maior profundidade, tinham um buraco
no fundo para não flutuarem quando mergulhavam (à medida que iam subindo,
escorria um fio de água para o seguinte).
Depois foram substituídas pelos motores de rega movidos a
petróleo e que também já não existem.
Picota (picanço, saragonha, cegonha, gaivota, burra, etc., conforme
a região)
É um engenho tosco, em madeira, de técnica simples que
servia para tirar a água dos poços pouco fundos, vales, rios ou ribeiras para irrigação.
Compõe-se de uma vara comprida, o vaivém, que oscila apoiado
por meio de um eixo, num poste vertical de madeira enterrado no chão, a
forquilha ou garfo. Numa das extremidades tem uma haste rígida mas fina para
ser agarrada entre as mãos, a varola, com um gancho na ponta, onde é colocado o
balde para mergulhar na água, e na outra, tem pedras de peso devidamente
calculado, o contrapeso, que faz subir o balde cheio.
Na Beira Alta, quando este sistema era muito usado, o
poste vertical de madeira ficava sustentado entre dois esteios de pedra.
O balde é
despejado diretamente no tabuleiro de zinco, madeira ou pedra, indo diretamente
para os regos - rega direta.
Era um trabalho fatigante, difícil e muito arriscado sobretudo
quando as pessoas que o executavam se encontravam isoladas.
Actualmente restam apenas rodas e alcatruzes oxidados e gaivotas mutiladas junto aos poços, em
campos abandonados, cheios de ervas daninhas, silvas e outra vegetação expontânea.
E nas represas, tranformadas em charcos sombrios, talvez ainda saltitem rãs a coaxar.
E nas represas, tranformadas em charcos sombrios, talvez ainda saltitem rãs a coaxar.
Hortas, só em pequenos "espaços" de alguns habitantes.
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