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quinta-feira, 29 de novembro de 2012

ÁGUAS DE REGA NA BEIRA ALTA


Antigo desenho de picota na Mesopotâmia, entre 2200 e 2400 a. C



Nas décadas de 50 e 60 a água de rega na Beira Alta, e talvez em todo o País rural, foi sempre assunto de grande preocupação e angústia porque a sobrevivência dependia dela.
Era essencial para o cultivo dos produtos agrícolas, para alimentação dos animais domésticos, para o desenvolvimento da economia central, para a vida dum modo geral, nos tempos difíceis e quase desumanos daquela época.
Quando o calor se fazia sentir severamente nos meses de junho, julho e agôsto, altura em que as culturas precisavam de mais água, os agricultores alternavam-se para regar parcelas em partes do dia porque não chegava para todas as hortas.

Hortas

Havia grandes desentendimentos (por vezes mortais) causados pela disputa no direito a águas de rega comuns. Alguns ficavam de guarda até amanhecer, embrulhados em mantas, para serem os primeiros a utilizá-las; outros, se corriam mais que o habitual, passavam mesmo a noite toda a regar encaminhando a água com os pés descalços por entre os sulcos.
Tal como em tudo o que era comunitário, existiam regras que deviam ser respeitadas pelos que tinham direito a servir-se dela a fim de que ninguém ficasse prejudicado.
Penso que o horário noturno não seria permitido…

Havia diferentes maneiras e sistemas para captar água - fazendo fontes e poços; aproveitando ribeiros, regatos, encostas e sopés de montes para construir açudes; utilizando noras e picotas para a elevar.

Lembro-me de os meus Pais terem todas as propriedades (Ferreirinha, Espadanal, Frei Miguel, veigas) destinadas ao cultivo de milho, batatas, hortaliças, leguminosas, árvores de frutos, etc., providas de vários destes sistemas, privilégio muito valioso não só para a irrigação como para valorizar uma possível venda naquela época.


Açude ou represa

É uma construção feita em cursos de água, meias encostas (de chuvas infiltradas) ou sopés de montanhas (tirando proveito dos diversos desníveis), destinada a reter a água a fim de poder ser desviada para irrigação.
A este processo, quando as represas ficavam acima da terra a regar, chamava-se sistema de rega com “água por seu pé” ou “água pelo rego” porque corria com a força da gravidade, sem precisar de ser elevada por meio de noras ou cegonhas.
A água armazenada era transportada através de levadas e direcionada pelo agricultor nos regos feitos com enxada ou arado para chegar às plantas.
Se o açude fosse comum a várias propriedades, havia que respeitar rígidos sistemas de partilha dos tempos de utilização, regulamentados por escrituras públicas, transmitidos e respeitados ao longo de gerações.

Açudes

Noras

São engenhos ou aparelhos para tirar água dos poços, ribeiras e rios formados por uma roda com alcatruzes e uma haste horizontal acoplada a um eixo vertical que por sua vez está ligado a um sistema de rodas dentadas.
Os alcatruzes são postos a circular através deste sistema entre o fundo do poço ou rio e a superfície exterior; descem vazios, sobem cheios e quando atingem a posição mais elevada começam a verter a água numa calha passando desta para a regadeira que a conduz até aos campos cultivados, sempre do mesmo modo, durante o tempo necessário ou enquanto houver água.
As noras eram habitualmente movidas por muares ou asininos ligados à engrenagem por um cambão de madeira. Tapavam-lhes os olhos para não se assustarem ou perderem o sentido da orientação e andavam em marcha constante,tipo carrocel, num círculo à volta da roda, na direção contrária aos ponteiros do relógio.
Para manter o ritmo do animal, o agricultor encarregava um petiz ou algum dos filhos mais novos, depois das aulas. Algumas vezes, como a tarefa era monótona, introduziam pauzinhos na engrenagem para brincar, correndo o perigo de serem arrastados por ela.

Ainda me recordo claramente da chiadeira lamuriante das imensas noras a rodar nas tardes quentes de verão

Havia noras de armação rígida ou flexível conforme o local de captação da água, o espaço e as possibilidades económicas.
Nas de armação rígida, os alcatruzes eram como verdadeiros baldes mas nas de armação flexível, adaptadas a poços de maior profundidade, tinham um buraco no fundo para não flutuarem quando mergulhavam (à medida que iam subindo, escorria um fio de água para o seguinte).


Depois foram substituídas pelos motores de rega movidos a petróleo e que também já não existem.


Picota (picanço, saragonha, cegonha, gaivota, burra, etc., conforme a região)

É um engenho tosco, em madeira, de técnica simples que servia para tirar a água dos poços pouco fundos, vales, rios ou ribeiras para irrigação.
Compõe-se de uma vara comprida, o vaivém, que oscila apoiado por meio de um eixo, num poste vertical de madeira enterrado no chão, a forquilha ou garfo. Numa das extremidades tem uma haste rígida mas fina para ser agarrada entre as mãos, a varola, com um gancho na ponta, onde é colocado o balde para mergulhar na água, e na outra, tem pedras de peso devidamente calculado, o contrapeso, que faz subir o balde cheio.

Na Beira Alta, quando este sistema era muito usado, o poste vertical de madeira ficava sustentado entre dois esteios de pedra.

 O balde é despejado diretamente no tabuleiro de zinco, madeira ou pedra, indo diretamente para os regos - rega direta.

Era um trabalho fatigante, difícil e muito arriscado sobretudo quando as pessoas que o executavam se encontravam isoladas.


Actualmente restam apenas rodas e alcatruzes oxidados e gaivotas mutiladas junto aos poços, em campos abandonados, cheios de ervas daninhas, silvas e outra vegetação expontânea. 
E nas represas, tranformadas em charcos sombrios, talvez ainda saltitem rãs a coaxar.
Hortas, só em pequenos "espaços" de alguns habitantes.


Imagens Google

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