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sexta-feira, 13 de março de 2020

VERDADE? MENTIRA?



Após um percurso de quase 800 Km em pouco mais de 24 horas, bastante cansados, retiram a bagagem do carro e entram em casa.

- Olá! Estamos de volta.

Mais agitado do que no dia anterior, quase não liga aos recém viageiros. Veste, em vez do habitual roupão branco do banho, roupa de sair à rua.

- Que se passa? Vai sair? Nem comeu ...

Muito baralhado e com enorme ansiedade, não responde directamente às perguntas e começa a narrar, com alguma dispersão, assim do nada, cenas dum episódio que se tinha passado há momentos:

- Estiveram  dois homens sentados aqui ao lado, no sofá (pausa)

- E o que disseram? Quem eram? Porque lhes abriu a porta? Etc., etc., etc.

- Eram dois homens muito bem vestidos; um escrevia no computador e o outro parecia tirar fotos. Ou fazer projecções, não sei. Havia mais um  que andou pela casa toda

- Mas não faz mesmo nenhuma ideia de quem se trata? Insiste, a recém- chegada, já meio irritada e muito preocupada, procurando, simultaneamente, num olhar rápido, vestígios de roubo.

- Na, na, não...

- É que nem sequer está preocupado! Será inventado?

Entretanto, já da rua a caminho da sua casa, telefona o outro acompanhante de viagem:

- Estão 2 carros - patrulha junto à porta do prédio. Fico aqui mais um pouco para ver no que dá.

- Pronto, foram-se embora, primeiro um e depois o outro – diz, passados alguns minutos.

(O intercomunicador tem estado sem  funcionar há uns dias. Será que foi isso que os demoveu?)

Quase de seguida, faz-se ouvir a campainha do andar.
Ao abrir a porta, surge um conjunto de três inusitadas criaturas, quase hirtas perante a pessoa que não esperavam encontrar –  a mais velha à frente, de gabardina e mãos nos bolsos, tipo inspector Varatojo  (talvez mais PIDE), uma outra, com pelo menos metade da idade, meio escondida logo atrás e a porteira,  já fora do horário de trabalho.

- Não me conhece? Pergunta então o “inspector”
- Sim, claro que conheço
- E este é o meu filho A.
- Sim, recordo-me
- Entrem. D. A. (porteira), entre também.
- Sentem-se (ninguém se senta)

Todos juntos agora, olham-se sem fazer perguntas mas com vontade de as fazer. Um parece cúmplice e baralhado, alguns mostram-se irritados, outros perplexos e frustrados.

- Bem, diz o mais velho, após "estudo" do ambiente:
Uma vez que já estás acompanhado, vamos embora. Eu só cá vim porque a Ç. me pediu.

Ah! Tinha que ser ela, a sempre intrometida, dominadora, irrepreensível, "virtuosa" e "solícita". Solteira, tem dedicado a sua longa vida (91 anos!) a perturbar os mais íntimos relacionamentos de convivência entre os desprevenidos que caíram  no logro da tal proximidade.

Tal como nas perplexas obras de Kafka, a situação é burlesca, absurda, de pesadelo, inconcebível, cheia de hipocrisia.




ilustrações google

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