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domingo, 16 de setembro de 2012

INSENSATEZ CRUEL



Tirar aos pobres para dar aos ricos nunca foi um programa tão evidente

Manifestação em 15 de Setembro

«O primeiro-ministro terá sonhado que a “paciência” não era uma variável – era uma espécie de património histórico, como o Mosteiro de Alcobaça, imutável como os túmulos reais.»
Por Ana Sá Lopes 


Dizia eu ao falar de “ONTEM” e parafraseando Dalai Lama, que o “HOJE” é o dia de viver porque ninguém sabe como será o amanhã.
Mas com se pode gozar, tirar vantagem de realidades que não podem ser dissimuladas como as notícias deste HOJE e que vencem qualquer "mexilhão"?

«Pensionistas e reformadas manterão os subsídios de férias e de Natal suspensos.
Os pensionistas que receberem acima de 1500 euros brutos, por mês, terão um corte de salário que oscilará entre os 3,5% e os 10%, tal como aconteceu no ano passado aos funcionários públicos»

Os funcionários públicos - ganhem ou não mais de 1500 euros, como se isso fosse uma fortuna , diria alguem - foram escolhidos para pagar a crise provocada pela irresponsabilidade e incompetência de quem nos governa há mais de trinta anos. Além das reduções salariais, vão ainda ter de assumir o aumento da comparticipação para a Caixa Geral de Aposentações, a redução de comparticipações, o aumento do IVA e a reduções das deduções no IRS.



«Diminuição da taxa Social Única» para as Empresas

Quanto a esta medida, apoio os que dizem que é perniciosa, que aumenta o desemprego, que também pode haver falência em empresas financiadas, que levam ao empobrecimento sem visão de futuro, que são medidas extremamente cegas, que a descida de TSU de 23,75% para 18% só deveria ser aplicada às empresas que efetivamente criassem emprego pois não agravaria tanto a carga dos trabalhadores e que os accionistas até podem ficar com o dinheiro poupado com o TSU para pagar dívidas ou aplicar o capital, em vez de criarem mais emprego.

Com o aumento de 7% da Taxa Social Única para os trabalhadores e a diminuição em 5,75% para as empresas, o governo tira aos trabalhadores praticamente um salário ilíquido e mete nos cofres das empresas milhões de euros.
Anunciar a medida gabando-se de não aumentar os impostos é de uma grande irracionalidade. Se a medida é inútil para os pequenos empresários em crise, transforma-se num bónus extra para os grandes empresários.



Vítor Constâncio, vice-presidente do Banco Central Europeu (BCE), disse este sábado que «tanto as medidas como os objetivos inscritos no memorando de entendimento acordado entre o Governo e a troika terão de ser cumpridas de modo a que Portugal possa continuar a beneficiar da ajuda da zona euro e do FMI.»
(É preciso ter muito má consciência! Devia estar preso pela traição, pela cumplicidade, pelo compadrio, pela hipocrisia e pelo desdém com que trata o "mexilhão"!)

ALGUMAS ALTERNATIVAS que eu, cidadã, ainda ouso sublinhar na esperança (que já não sinto!) de que o governo tenha a coragem de intentar para não sobrecarregar mais o rendimento dos trabalhadores:

 




ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
Reduzir o nº de deputados e várias regalias, numa revisão constitucional.
Sim, para que precisa um País faminto, de tantos vampiros ávidos de enriquecer à custa dum sangue anémico?
Actualmente é composta por 230 deputados.
remuneração dos vários cargos políticos está distribuída por vários Estatutos, com inúmeras referências a uns e outros que dificultam uma leitura clara dos valores e regalias envolvidos.
Qual o valor do Orçamento da Assembleia da República? Quanto paga o cidadão para ter o miserável País em que vive?
M€ 130 ?
Vencimentos de cargos políticos - desde o Presidente da República até ás Juntas de Freguesia...
Levaria o resto da minha vida a fazer contas!
Ajudas de CustoCustos dos deputados na sua globalidade que inclui os vencimentos, vencimentos extraordinários, despesas de representação, ajudas de custo, transportes, prestações familiares e complementares, contribuições para a segurança social, seguros e subsídio de reintegração. O último ano/ referência é 2010 com M€ 4,04.



Subvenção Vitalícia- Paga pela CGD. Secreta,individualmente. M€ 8,98 em 2010.
Ao longo do tempo o total de beneficiários tem aumentado, mesmo depois da sua revogação em 2005 explicado pelo regime transitório. Em 2010, havia 397 beneficiários. E em 2011 o Diário de Notícias publicava uma lista de nomes que acumulavam a subvenção com os rendimentos de uma vida ainda activa em cargo de gestão de topo (todos entre € 9.683 e € 1.700)
Subsídio de reintegração - Em 2010, € 844,409
Outros privilégios -Indeterminados
Ex-Presidentes da República - Os ex-presidentes de República têm, para além de uma subvenção mensal correspondente a 80 % do vencimento do Presidente em exercício, os seguintes privilégios:
Automóvel do Estado para uso pessoal com condutor e combustível.
Gabinete de trabalho com telefone, secretário e assessor escolhidos por ele. O único requisito destes dois quadros é serem da sua confiança.
Ajudas de custo iguais às do Primeiro-Ministro, sempre que se desloque em missões oficiais fora da área de residência.
Livre-trânsito e passaporte diplomático.
Uso e porte de arma
Transmissão de Pensão e Subvenção Vitalícia - ?
Governo Civil e Deputados Europeus -?
Pessoal dos Gabinetes Ministeriais -?


Comparando:

Câmara dos Comuns- Inglaterra

OS DEPUTADOS INGLESES:
Não têm lugar certo para se sentarem na Câmara dos Comuns
Não têm escritórios, não têm secretários nem automóveis
Não têm residência (pagam pela sua, em Londres ou nas províncias)
Não têm passagens de avião gratuitas, salvo quando em serviço do próprio Parlamento.
Tudo isso é pago pelos próprios. E o salário equipara-se ao de um Chefe de Divisão de qualquer repartição.
Em suma, são SERVIDORES E NÃO PARASITAS DO POVO



FUNDAÇÕES

Em Portugal existem cerca de 1.200 Fundações (Wikipédia).
João Cantiga Esteves, professor do ISEG, considera que há 14.000 a receber fundos do Estado.
O número revelado pelo censo feito pelo actual Governo é estimado em 700.
A polémica sobre a incógnita do número de Fundações e os financiamentos é, portanto, enorme. Alguém sabe, por exemplo, qual a finalidade da Fundação para as Comunicações Móveis ou para a Prevenção e Segurança?
Pois no triénio 2008-2010,falando apenas das que conseguiram ser avaliadas, usufruíram de benefícios fiscais e outras regalias num total de M€ 11,2 com uma taxa de crescimento de 79/%!
Segundo o Ministério das Finanças, neste mesmo período, o Estado gastou em apoios M€ 275 por ano, não incluindo as Instituições de Solidariedade Social que, de acordo com os seus fins, beneficiam de um tratamento fiscal mais favorável.
O Governo propõe a extinção de (só) 40 Fundações públicas, com as quais estima poupar M€ 150.
Espero que o extermínio continue...





FORTUNAS INEXPLICÁVEIS

Diz o fiscalista Tiago Caiado Guerreiro que elas existem ao longo de todo o País. E, como é do conhecimento de todos, apareceram de repente após o exercício de cargos políticos ou em ligação com o Poder, tendo ainda a recompensa de ficarem à frente de grandes Empresas onde continuam a“engordar” corruptamente.
Do ponto de vista do debate público, numa democracia, a existência de bens, rendimentos, fortuna, deve ser discutido. 
Embora os salários sejam acima dos de muitos portugueses, não são salários milionários. "Dão para viver bem, mas não dão para enriquecer", como acentua, indignado, Pacheco Pereira.
Por isso, não havendo fortuna pessoal ou fonte conhecida de rendimentos, a aquisição de verdadeiras fortunas durante o exercício de cargos públicos é matéria de escândalo público e devia ser matéria de justiça.

 


BPN

É um caso de polícia e não só.
Ventura Leite diz que a intervenção do Estado se deveu «pura e simplesmente para acautelar os interesses das pessoas que lá tinham o dinheiro».
Sobre isso, avança:
E,« algumas destas pessoas sabem explicar muito bem o que se passou. Mas ninguém lhes pergunta nada…
Quem responde a algumas destas 17 perguntinhas a que ainda falta responder? O Expresso nada contará nunca…»
Pelo Diário de Noticias sabe-se que M€ 8,3 é quanto o BPN pode vir a custar aos contribuintes; o custo final será, para já, impossível de contabilizar com precisão. Chegaria para pagar três anos de subsídios de férias e de Natal.
Em 2005 viu-se envolvido em investigações no âmbito da Operação Furacão, processo-crime que vem investigando fraude fiscal e branqueamento de capitais. Em 2008 foi incorporado na Caixa Geral de Depósitos e em 2011 foi vendido por uma bagatela, por exigência da Troika.
É a maior fraude “assassina” sem castigo e em que os tiranos obrigam cada vítima ingénua (que o vai sendo cada vez menos) desta podre “democracia”, a pagar € 850!
Porque não julgar, prender e fazer pagar aos que enriqueceram à custa de outros
   



PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS (PPP)

É, também na opinião do fiscalista, na minha e até na de todos os menos esclarecidos, outro caso exemplar.

Parcerias Público-Privadas «são contratos ou uma união de contratos entre uma entidade pública, por um lado, e uma entidade privada, por outro, para a prestação de serviços, infraestruturas  ou outros bens de utilidade pública, a ser realizada em conjunto e financiada predominantemente pelo parceiro privado, seguindo objetivos definidos pelo parceiro público, por um período de longa duração, no qual existe uma partilha de riscos entre os parceiros e devendo o parceiro privado ser remunerado pela sua participação.» Do blog "Manifestação Espontânea"

“O Estado gastou 5.8 milhões de euros com os consultores financeiros e jurídicos que entre 1998 e 2007 estiveram envolvidos na fase de lançamento das parcerias público-privadas rodoviárias e na gestão dos contratos”
Publicado em  por Clavis Prophetarum.

Segundo notícia no jornal SOL, a fatura que o Estado suportou nos últimos três anos com as rendas das parcerias público-privadas ficou 560,2 milhões de euros mais pesada do que o previsto, segundo os relatórios anuais das parcerias público-privadas da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF) e os Orçamentos do Estado (OE).

Os negócios que mais têm contribuído para o aumento dos encargos líquidos – diferença entre as despesas e as receitas – das parcerias público-privadas (PPP), são as rendas das concessões rodoviárias. Desde 2008, o Estado pagou mais 425,5 milhões de euros do que o orçamentado.
O custo das PPP rodoviárias derrapa para 1.160 milhões de euros em 2011!!!
 Como vai o “mexilhão” pagar isto daqui para a frente? Como se "cura" esta "diarreia"?

Apenas lhes dou relevo na medida em que são constantemente postas em cenários de ganhos de eficiência pessimista ou pouco favoráveis à contratação pública, pois não tenho quaisquer conhecimentos sobre este tema.
Deverão, deduzo, requerer uma preparação muito cuidada dos concursos, sendo necessária a definição clara, rigorosa e exaustiva das necessidades, exigências de desempenho da infraestrutura ou do serviço objeto da parceria.
Tem-se dito sempre que em Portugal, riscos, benefícios e responsabilidades, nunca são igualmente partilhados na relação comercial entre público e privado, com penalização relevante para o sector público.
Mais rigor nos novos projectos e investigação acelerada e severa aos contratos existentes (camas hospitalares, autoestradas, energia eléctrica, gestão do serviço de águas, outras), é urgente.

IMAGENS CAPTADAS EM GOOGLE

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

ONTEM




Ontem já foi.
E como foi ele, ói?

Assim, num abrir e fechar de olhos!
Ontem ignorava o que é ser velho
E acreditava até no evangelho.
Ontem colhia flores aos molhos
E brincava nas ruas com neve
Tão branca, tão fria e tão leve!
Ontem pulava corda no quintal
Fazia monas de trapinhos
Dançava à chuva nos caminhos.
Ontem cantava no arraial
Acreditava na chaminé
E até sabia fazer filé.
Ontem respirava saúde
Sem questões existenciais
Tinha Avós e tinha Pais.
Ontem esbanjei juventude
Sem saber que era tão boa
E do barco esqueci a proa.
Ontem ignorei aliados
Construí na areia mutante
Pois tudo era abundante!
Ontem sem cordões atados
Era jovem, sonhava mais
Subia árvores como pardais.
Ontem atentava no Globo
Recusava a estupidez humana
E a fragilidade mundana.
Ontem a vida era um jogo
Não fruí os sonhos reais
Alterei verbos e adverbiais.
Ontem corri tanto que não dei
Por anelos esperando por mim
Algures num belo jardim.
Ontem obstáculos saltei       
Mas aprendi muito mais
Do que a ler os jornais.
Ontem foi há mui tempo
O palco estava bem cheio
De actores vários sem freio.
Ontem ia com o vento
Como quem só flutua
Esvoaçando até à lua!
Ontem era anterior a hoje
Ontem foi, hoje é o agora
E o amanhã, será longe?

Agora, é o Presente,
A duração do instante que vira
A poesia com cordas de lira
O momento que ainda está
O Viver sem amanhã
Com agradável sabor a romã

Um porto sempre sem cais...





Imagens Google

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

O PAÍS DOS REFORMADOS


Testemunho para a posteridade

Portugal, um dos países mais velhos do mundo, é também o 6º país mais envelhecido.

São claros alguns porquês:
Baixa de natalidade
Num relatório divulgado há dias pelas Nações Unidas, calcula-se que nos próximos quatro anos Portugal irá ter a segunda mais baixa fecundidade mundial, com apenas 1,3 filhos por mulher. Um terço do Pais sem crianças! Em 3 anos - 2007, 2009 e 2010 - foram menos os que nasceram do que os que morreram.
Ribeiro e Castro, presidente da Associação das Famílias Numerosas, acredita que o “desastre” da baixa de natalidade se deve essencialmente às “políticas governamentais”, enquanto Maria Filomena Mendes, presidente da Associação Portuguesa de Demografia, diz que “múltiplas variáveis influenciam de maneira diferente os diferentes casais”.
A maioria das mulheres tem optado por adiar a maternidade dando prioridade à carreira.
Em Portugal não há uma política da família.
Porém, ocupa o 11º lugar na mortalidade até aos cinco anos de vida.


«Não afirmemos de ânimo leve que o nosso declínio de natalidade "se resolve", ou que "se resolve com imigração", ou que "depois já vemos como nos safar". Um forte decréscimo na população autóctone de um país é sempre um problema sério, de consequências vastas e prolongadas no tempoPedro Gonçalves Rodrigues, em Cachimbo de Magritte




Presentemente, o número de idosos já ultrapassa o de criançasAté 2060, se não forem tomadas medidas de profundo impacto, de acordo com estatísticas oficiais, vamos continuar a envelhecer até à provável meta de 271 idosos para 100 jovens, devido ao aumento da Esperança Média de Vida.


Reformados - idosos - esprança de vida (google)

Emigração de jovens e outros desempregados (há cerca de 1.200.000 portugueses no desemprego):
Os melhores são os que saem, na opinião dos países que os acolhem e do país que os exporta, ou seja, o melhor da nossa História, é uma História de exclusão que se vem repetindo sempre que nos temos feito ao mundo desde a era dos descobrimentos ao êxodo dos anos 60, à época atual.
Só (já!) na Austrália o chefe de Estado, durante a visita àquele Pais, estimou a existência de 50.000 portugueses.
Pelo menos 100.000 deixaram o país em 2011, sendo a maioria jovens qualificados com menos de 35 anos. Segundo a empresa gfk, cerca de 170.000, um em cada 10 portugueses, tenciona emigrar ainda este ano - 42% tem formação superior - para Angola, França, Suíça e Brasil, primordialmente.
Além do desemprego, a elevada percentagem da juventude em trabalho precário ou com baixos salários, também é um fator que estimula a saída.



Estrangeiros reformados escolhem Portugal para viver:
Enquanto portugueses saem para procurar trabalho ou uma vida melhor, são estrangeiros escandinavos com os olhos postos no que o Pais tem de bom - as praias, o calor e sobretudo a fiscalidade - que vêm para cá viver ou passar parte do ano, deixando de ir tanto para os tradicionais destinos de França, Tailândia e Espanha.
O Afton Bladet cita um perito em fiscalidade para dizer “que o interesse dos reformados suecos por Portugal aumentou quase 200% em dois anos e quase 50% só no ano passado”. Adianta ainda que um dos grupos demográficos interessados é o das pessoas com cerca de 40 anos e com capacidade financeira.
O regime fiscal especial foi criado em 2009 para não residentes habituais a fim de captar profissionais qualificados e pessoas (nomeadamente reformados) com elevado património líquido.

Noticia  no Afton Bladet

«O destino do país está na mão de aposentados.
O presidente Cavaco Silva, a primeira figura do Estado, é reformado. A segunda personalidade na hierarquia protocolar, Assunção Esteves, é igualmente pensionista. Também nos governos nacional e regionais há ministros que recebem pensão de reforma como Miguel Relvas ou até Alberto João Jardim. No Parlamento, há dezenas de deputados nesta situação. Mas também muitas câmaras são presididas por reformados do Minho ao Algarve.»
Por: Paulo Morais, Professor





A renovação é vista como a maior ameaça! Os princípios políticos ou sociais tendentes a melhorar ou regenerar o obsoleto, jamais existirão porque eles só veem as sombras do mundo real refletidas nas paredes da caverna dourada em que estão fortificados.
"Os agentes movem-se no complicado terreno do poder de modo a tentar afirmar as suas verdades frente às verdades socialmente estabelecidas". Porque só nelas acreditam.

O Mito da Caverna -Platão ( óleo de Gerd Bornheim)

Como curiosidade e que nada (ou tudo) tem a ver com idosos, cerca de 200 jovens voluntários belgas, franceses e holandeses escolheram várias aldeias do Parque de Montesinho para passar férias a trabalhar em contacto com a natureza, para as comunidades locais; escalam andaimes, limpam caminhos e margens dos rios em troca de simpatia e hospitalidade dos habitantes (idosos).



Escuteiros estrangeiros (cientistas, alguns) ajudam a manter aldeias do Parque de Montesinho (ONG)

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

FALAR DO PAI






Talvez porque o verbo dizer sempre tenha sido substituído pela expressão demonstrar simplesmente, sinto alguma dificuldade em falar do PAI.

Antes dos quatro anos de idade, para além das fotos, não conservo uma recordação consciente muito nítida sobre a sua imagem. Devo ter destacado a atenção para as minhas duas irmãs que, entretanto, comigo passaram a ocupar esse espaço de tempo, num esquema de acontecimentos familiares.
Mas, ultrapassada essa lacuna pela ausência de pistas na ajuda da capacidade de recuperação de alguma memória, os detalhes particulares, fragmentados, de evocação e reconhecimento, são imensos a partir daí.

A saudade - palavra inerente apenas ao conhecimento forjado de galegos e portugueses - causada pela ausência, tem-se mantido sempre ao longo dos anos com mais ou menos intensidade.

O Pai não foi doutor, nem engenheiro, nem advogado, nem andou em nenhuma Faculdade porque o meu Avô impôs-lhe a obrigação da responsabilidade em continuar a manter a “trave” da casa de lavoura existente. Muito contrariado mas sensível ao respeito devido (naquele tempo…), por lá ficou, sem qualquer alternativa.

Depois de ter feito a Primária, frequentou a escola nocturna para adultos na Escola Regional Dr. José Dinis da Fonseca, até ser transferida para o Outeiro de S. Miguel.



Década de 30 - grupo de alunos

Ficou sem título académico mas não foi essa omissão que o impediu de lhe terem sido sempre concedidas as atribuições mais destacadas na Freguesia, entre as quais a nomeação para representante do Presidente da Câmara Municipal (Regedor), com competências claras e definidas na Regulamentação dos Regedores de 1940, sem qualquer remuneração:

«Cumprir e fazer cumprir as leis, deliberações, decretos municipais e os regulamentos da polícia; levantar autos de transgressões e auxiliar as autoridades polícias e judiciais; agir de modo a garantir a ordem, segurança e tranquilidades públicas; auxiliar as autoridades sanitárias e garantir o cumprimento dos regulamentos funerários; mobilizar as populações para casos de incêndio e cumprir as ordens e instruções emitidas pelo Presidente da República.»

A “Prisão” para os desordeiros em festas, feiras e outros ajuntamentos, ciganos burlões, etc., era no interior da Torre do Relógio… com a criançada como plateia.
Naqueles anos não me lembro de ter visto qualquer incêndio por perto, apesar do calor abrasador de todos os Verões!
Recolhia os dados para o censo da população, afixava decretos governamentais (editais?), notificava os rapazes para o serviço militar e era chamado com frequência ao tribunal do Concelho, considerando isso um grande incómodo e uma grande complicação, quer pela dificuldade das viagens, quer pela morosidade dos Processos (penso que não havia táxis; apenas a “carreira” que fazia a viagem de ida e volta uma vez por dia ou alguma boleia casual de amigos).
O dia de votar era outro divertimento, apesar de rápido e só para homens e viúvas, no edifício da minha Escola Primária.
Recordo também a presença da Guarda-Republicana que patrulhava periodicamente a Freguesia e o sururu que se levantava entre nós crianças, e não só.

Fez 147 anos o jornal Diário de Notícias e de que o Pai era o correspondente oficial, sob a direcção de Augusto de Castro, àquela data. Apesar da censura, era um jornal de muita tiragem; a redacção incluía não só os colaboradores mas também a generalidade dos cidadãos, como neste caso. Era lido por todas as inteligências - elites, pessoas comuns, novos e velhos - devido à variedade de conteúdos sobre assuntos de Portugal e do estrangeiro, e aos anúncios.
O preço manteve-se uma eternidade a 80 centavos; foi nele que aos cinco anos aprendi a ler; após ter sido lido pelas pessoas interessadas, transformava-se no forro de muitas paredes interiores de pedras sem liga, ou na acendalha de várias lareiras.

E. sem ser antes nem depois mas sempre, há o Pai e as ceifas, a malha, a matança, as colheitas, os regadios, os cães de guarda, as vindimas, os mercados, o Dia do Senhor, os amigos e os inimigos, a Páscoa e o Natal, as viagens à Guarda para comprar uns sapatos melhores ou uma roupa diferente ou um chapéu de feltro sempre na mesma chapelaria, os bovinos, suínos e asininos, os dias de chuva ou a falta dela, os Verões de escaldar, a conversa.

Alonguei-me propositadamente sobre as duas primeiras ocupações por achar que  elas tiveram grande influência no empirismo de deduções lógicas das experiências práticas num discurso logicamente perfeito (em locais como os tribunais), sem querer contudo cometer a injustiça de lhe tirar o mérito (que também o tinha) em obter o conhecimento da verdade através da razão.


Salvador Dali - Representative rose

Quando mais novo (morreu aos 90 anos) era um homem brilhante, sábio, espontâneo, orvalho campestre, poeta natural, trabalhador, honesto, singular, inconfundível, inteligente, magnânimo nos gestos mais simples, cheio de luz própria, crente, sonhador/saudosista, "um mãos-largas".
Nos defeitos, não se lhe ajusta a imagem de santo, difícil em admitir ideias diferentes, procurando andar por caminhos correctos nem sempre conseguidos, pouco rigoroso nas obrigações familiares diárias, a mesma facilidade em fazer amigos/inimigos, demasiado decidido em correr riscos baseado na sua enorme boa-fé.

Tinha olhos esverdeados, levantava-se pela madrugada, sentia prazer em contar histórias, era um mestre por excelência em tudo o que transmitia (com ele aprendi a fazer descrições, outros adquiriram conhecimentos sobre as artes do quotidiano), adorava ver a família reunida, procurava estar à frente do seu tempo ajudando e deixando explorar todas as oportunidades de futuro para os filhos.

 “Chorou” quando saí de casa mas eu voltava sempre para o abraçar; e ele, quando saiu, nunca mais voltou.

  

Um ano antes de partir, escreveu ao correr da pena numa pequena mesa que lhe servia de apoio, para o neto Luís (e para todos, em nome dele):


"Este que foi vosso Avô
Vosso Avô já não é.
Fui alguém e já não sou
Mais que ambulante em pé.

A vós queridos netos,
Tudo o que tenho dou
Com carinho, mil afectos
É o que tem vosso Avô"

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

"ATÉ QUE A VOZ LHE DOA"


"Há um combóio descarrilado" (personagem alegórica)...


Há um comboio descarrilado, enferrujado, abandonado numa estação.
As carruagens engatadas, acidentadas, afetadas, rangem e ameaçam deslocação.
A locomotiva (a vapor) impotente desconhece a causa do acidente e balança na linha do horizonte esperando avaliação.
Subsiste o único passageiro que há um ano inteiro, reclama um bombeiro pra identificação.
Impedindo o tráfego, com aquele náfego sem um semáforo, ninguém aparece e não é ficção!

Óleo de Edgar Degas

O comboio descarrilado é uma coluna vertebral com doze dorsais, sete cervicais, cinco lombares, um cóccix e um sacro, bem real.
Faz parte do cenário um corsário, não imaginário, sem sombras de simulacro, um mercenário pouco habitual, dum Hospital.
O passageiro, de vértebras no esteio movendo, o Atlas no crânio rangendo, já como ateu a crença perdendo, aguarda quinta intervenção numa outra estação local.



Há viagens, bilhetes pagos, roteiros desconhecidos, acontecimentos imprevistos, inocentes, culpados irresponsáveis, hipócritas e Hipócrates, poesia imolada nos trilhos da interpretação (símbolos figurativos que fazem parte dos actos de várias cenas dum enredo)






Há uma vítima que sente e causa incómodo não “até que a voz lhe doa”, mas até conservar a faculdade de pensar (personagem real que transforma a alegoria numa história verídica).



Imagens Google