Não englobando as já diferenciadas 12 “aldeias históricas”
(Almeida, Castelo Mendo, Belmonte, Castelo Novo, Castelo Rodrigo,
Idanha-a-Velha, Monsanto, Piódão, Marialva, Linhares da Beira, Sortelha e
Trancoso), onde a defesa do património é o denominador comum e a singularidade
e história individual, são valorizadas em cada pormenor, as aldeias portuguesas
conservam, duma maneira geral, as velhas tradições de Portugal e o seu próprio
património histórico com realidades diversas, tanto do ponto de vista
geográfico como dos povos que as habitaram.
A mudança nos modos de vida só começou a surgir, muito
lentamente, com uma industrialização tardia e consequente fuga para as cidades
e com a influência da emigração /regresso e retornados das ex-colónias.
Ocorreu um enorme impacto no consumo, surgiram
muitas casas de linhas arquitectónicas diferentes mais confortáveis e perdeu-se
tradicionalismo ao nível das relações e comportamentos sociais.
Continua a haver as típicas aldeias
alentejanas caiadas de branco puro, perdidas no meio da
despreocupada planície, como São Gregório (Borba) e os seus vinhedos,
Évoramonte (Estremoz) com o seu imponente castelo medieval e pacatas ruas,
Brotas (Mora) e o seu templo quinhentista dedicado a Nossa Senhora das Brotas
ou Santa Susana (Alcácer do Sal) com a sua igrejinha e povoado de pequenas casas térreas.
Évoramonte Santa susana
Na praia da Tocha (Cantanhede), ainda se mantem o
essencial da técnica de arrasto (arte de xávega) que termina com o puxar das redes até ao areal,
ajudada pelos barcos típicos e veraneantes e os antigos palheiros de pescadores
que foram recuperados para casas de férias
Na Carrasqueira, aldeia ribeirinha em plena Reserva
Natural do Estuário do Tejo, também se conservam os típicos palheiros da
beira-Sado - casas de madeira cobertas de caniço (o cais palafítico), que se
estendem pelos esteiros lamacentos do rio.
Praia da Tocha Carrasqueira
No Algarve, há aldeias piscatórias que conservam as características tradicionais da arquitectura popular e a gastronomia típica, como
Cacela-a-Velha, no cimo de um morro, entre as dunas, situada no sítio onde acaba
a ria, no extremo Este do Parque Natural da Ria Formosa, a caminho da praia
de Manta Rota.
Cacela Velha mantém toda a sua traça,
incluindo a velha nora do poço, diante da fortaleza, com um magnífico miradouro
sobre a Ria Formosa e o mar.
No centro do País, entre montes e serras, existem as
aldeias-do-xisto que agora fazem parte duma rede turística como Gondramaz
(Miranda do Corvo), com as suas figuras trabalhadas pelos escultores locais, Talasnal,
escondida no meio da Serra da Lousã e Aldeia da Pena - Penedos de Góis.
Talasnal
Nelas se encontra o mel com origem protegida e o medronho
aproveitado para fazer compotas e aguardente, o pão caseiro e o famoso cabrito
assado.
Chanfana Aldeia da Pena
Olho Marinho e Vila Nova de Poiares produzem a olaria
(caçoilos de barro) que leva a chanfana, prato típico da
região, ao forno a lenha.
No Minho e em Trás-os-Montes subsistem aldeias
comunitárias onde os seus habitantes partilham as tarefas, as terras e os
espaços, como Rio de Onor e Pitões das
Júnias.
Rio de Onor
Pitões das Júnias
Também na região de Lisboa existem aldeias saloias
típicas como Caneças onde foi rodado o filme “A
Aldeia da Roupa Branca” que destaca a vivência das suas gentes ou a
Aldeia-miniatura do Sobreiro, construída a partir do nada por José Fonte
Franco, um ceramista local.
Caneças Aldeia miniatura do Sobreiro
E os exemplos, felizmente, são muitos.
Outras, quase deixaram (ou deixaram mesmo) de ter qualquer identidade - as aldeias menos povoadas de Portugal (eleitas pelo blogue Toprural) - e custa imaginar como o interior do País, com o espirito familiar que
o envolve, se aproxima vorazmente da extinção.
São exemplos:
Aldeia da Pena - A 20 Km de S. Pedro do
Sul, possui 6 habitantes e 10 casas de xisto, para habitação.
Aldeia de Cubas - Localizada em Vila
Pouca de Aguiar, tem apenas dois casais de idosos que estão desavindos por causa da limpesa dos terrenos e um ” lindíssimo percurso
pedestre de 12 km por entre magnificas paisagens”.
Aldeia Nova - Situada no concelho de
Almeida, com sede em Mido, tem actualmente 33 habitantes. Mas possui
internet wireless desde 2009…
Goujoim - Com apenas 58 habitantes, fica
localizada no município de Armamar. É considerada uma “aldeia museu” por
ser uma das mais antigas
Asnela - Há 50 anos atrás contava uma
população de 250 pessoas; hoje não existem mais do que 10. As casas de granito são
o seu maior atractivo. Não tem nem nos arredores, qualquer café ou padaria
Montes Altos - A aldeia, em 1993 tinha apenas 11 habitantes porem, apesar de
continuar pequena (70 habitantes), cresceu devido
ao centro social de Montes Altos, que também oferece apoio domiciliário às
freguesias vizinhas.
Cortecega - Com apenas 11 habitantes,
a Aldeia “possui uma dinâmica activa do mundo rural”. Mantem as tradições de
muitos outros locais do norte de Portugal e surpreende o espirito familiar
que a envolve.
Adagoi (nome de origem germânica que
significa “veiga ou pequeno vale") - está desabitada, porque o seu único
habitante foi viver para uma aldeia vizinha. Sem vida humana mas com muitos alojamentos rurais nas redondezas.
A esta lista, acrescento dois
lugares abandonados em meados do século XX, anexos da minha freguesia, Cerdeira:
Azilheira - Em 1890 tinha, pelo menos, 3 fogos.
Santo Amaro do Cortelho - Aqui, depois de ter estado sem habitantes, fixou-se um casal estrangeiro durante algum tempo. Agora, penso, voltou ao silêncio interrompido, apenas, pela festa do padroeiro no dia 15 de Janeiro, com missa e procissão.
O santuário de Santo Amaro, situado no
limite da freguesia e paróquia da Cerdeira, junto ao Porto Mourisco e
Ribeira das Cabras, foi
muito visitado nos séculos XVII, XVIII e XIX. Gente devota do santo
protector dos doentes dos ossos, ainda alí acorre para lhe oferecer, em madeira, a parte do corpo curada.
O forno comunitário existente, testemunha o modo de vida de outrora.
Fiz esta pequena resenha sobre as tradições e património de carácter único, que vale a pena descobrir, sem pressas,
para me referir também, nesse aspecto, à minha Aldeia (sempre ela).
CERDEIRA
É uma povoação muito antiga, com carta de foral dada por Afonso III em 1253.
«O
vigario era da apresentação do abbade dos Bernardos de Sancta Maria d’Aguiar…»
«Fora
da povoação existe um pequeno reduto, semelhante aos que existiam noutras freguesias,
como Ruivós e Casteleiro e que, apesar de singelo e de simples construção, tem
merecido o respeito de todos, sendo o mais completo de quantos tínhamos visto
até 1889. Era nestes redutos que se recolhiam todos os moradores em tempos de
guerra. Onde não havia redutos recolhiam-se nas igrejas paroquiais.
Afirma-se
que a pequena distância da povoação existia também uma atalaia donde vigiavam o
inimigo e davam sinais a outros povos.
A
igreja paroquial está fora da povoação e é regularmente ornada. O orago da
freguesia é Nossa Senhora da Visitação.
Pertencem
à Cerdeira as Quintas da Redondinha que tem 13 fogos, a da Azilheira que tem 3
e o Cortelho que tem igualmente 3 fogos.»
Augusto
de Pinho Leal (1816-1884), militar, escritor, historiador
Sendo
uma povoação tão antiga teve, com certeza, muitas pedras com história para
contar.
É
certo que foi vandalizada várias vezes - invasões castelhanas quando entraram
em Portugal por Almeida, invasões francesas (Marmont), guerra dos sete anos (?)
Mas
lembro-me - e vou referir-me apenas à igreja paroquial - de ver ícones de santos
espalhados pelo chão do sótão (os que estavam antes dos actuais e que, entretanto, desapareceram - as crianças são tão curiosas!) muito semelhantes aos que abaixo apresento (século XVII / XVIII?).
Uns tantos anos mais tarde, reparei que a linda via-sacra, talvez da mesma época, estava bastante deteriorada e tomei a iniciativa de doar uma
determinada quantia para a restaurar.
Mas, no
ano seguinte, em vez da preciosidade restaurada estava outra
mais moderna. Tinha sido vendida.
E assim, ao contrário do património conservado pelas aldeias acima citadas, a minha, desde há algumas décadas que se tem preocupado mais em descaracterizà-lo (ultimamente com boas intenções, penso) - a lindíssima talha
dourada dos altares, que passou a prateada (basta fazer uma simples comparação com a do altar de Santo Amaro, em cima), murais atrás do altar-mor (?) e substituição do sino da
torre sineira de timbre grave, por um mecanizado, de timbre estridente e agudo.
Para
o crítico Fernando Gabrielli, a destruição dos sinos icónicos é um crime. “Eles
são a música do mundo”.
Eu e a minha aldeia estamos, em muitos aspectos, cada vez mais separadas, razão porque não consigo envolver-me mais na dinâmica dum espírito construtivo diferente, como muito gostaria.
Imagens Google