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domingo, 4 de março de 2012

PÁSCOA DA MINHA INFÂNCIA




Há muitas décadas que a Páscoa não tem grande significado para mim; aliás, como tantas outras festividades religiosas.
Apetece-me, contudo, recordar o tempo em que a esperava com entusiasmo, até por volta dos meus 10 anos.

Nessa época, crescia numa aldeia muito povoada, com muitas crianças e rodeada também de muita família. Alias, todas as famílias constituíam, no seu conjunto, a outra nossa família. As portas tinham fechadura mas servia apenas para pendurar a chave porque nunca eram fechadas. Conhecia todas as casas por dentro e sempre que me apetecia, ia ver os seus moradores, fossem adultos ou gente pequena como eu. Havia a “Ti” Virgínia e a irmã, “Ti” Guilhermina; a “Ti” Delfina e o marido, “Ti “Augusto; a Rosalina e o Pai que era barbeiro; a ”Ti” Celestina mais o “Ti” Zeferino com a sua enorme “ninhada”; os Cantigas, o Artur que punha a mulher e os filhos fora de casa quando recebia a jorna, a Judite mais a “Ti” Ana e o “Ti” António, o Saul, as Vicentes que tinham um comércio, as Monteiras, o Sr. Padre e as sobrinhas. E todos os outros que, não estando aqui mencionados, é como se estivessem.
E a minha Avó Emília, os meus tios Zefinha e Joaquim, os meus primos Luís, Margarida, Imelda, Toninho e Zezinho que, connosco, grande família também, viviam todos os momentos casuais, oportunos ou festivos numa perfeita simbiose. Juntos, enchíamos a nossa casa mas na deles, porque era enorme, cabia sempre mais o Bispo ou qualquer outra ilustre personalidade.

Na 5ª e 6ª feira santas a aldeia quase ficava paralisada por respeito à crucificação de Cristo, mas o sábado era já um dia de muita azáfama a fazer ”à vez”, bolos e biscoitos no forno público, a preparar o cabrito para o almoço de domingo e a limpar ruas e casas para que o Compasso fosse recebido com o cheiro fresco do ar campestre.

No Domingo de Páscoa ia-se à missa com a roupa nova; depois almoçávamos numa mesa com toalha branca onde havia arroz doce, aletria e outras iguarias
Logo depois preparava-se a mesa para receber o Compasso pela tarde, ou seja, o Pároco de sobrepeliz e estola brancas precedido pelos membros da paróquia, de opa, levando o crucifixo, a campainha e a caldeirinha com água benta.
Para comunicar o início, as crianças tocavam o sino da Igreja e as famílias, amigos e vizinhos esperavam, reunidos na sala, que o padre chegasse e lhes desse a cruz a beijar.


Antes de entrar em cada casa era tocada a campainha. Ao entrar, o padre benzia-a e dizia:” hoje é o dia em que o SENHOR ressuscitou, aleluia, aleluia”. Depois cumprimentava os donos da casa e família direta dando então a cruz a beijar a cada uma das pessoas que se ajoelhavam em redor da mesa com a toalha branca ou outra, bordada, ao lado do crucifixo, de dois castiçais e de uma taça com o folar do padre - envelope com dinheiro dentro. Numa mesa ao lado estavam as ofertas de carácter alimentar - queijo, pão-de-ló, amêndoas, ovos tingidos, jeropiga, licor beirão e vinho branco adocicado.

Todos os paroquianos gostavam de receber a “Boa Nova e a “ Bênção Pascal “ excepto 2 ou 3 que não abriam a porta.

- Vai um copinho, Sr. Padre?
- Mas só um copinho, porque hoje comecei cedo!
- E uma fatia de bolo ou qualquer outro doce?

Em todas as casas havia que provar qualquer coisa, desde o vinho fino ao bolo, um petisco ou simplesmente uma amêndoa.
Ao finalizar o acto, era servido um licor e biscoitos aos portadores da cruz.

E assim percorriam, a compasso, as casas dos paroquianos.

A última era sempre a da minha tia Zefinha que apresentava uma mesa cheia de iguarias mais para jantar - chouriço, presunto, vários queijos, além de toda a doçaria e bebidas (razão porque o Pároco comia e bebia menos nas casas anteriores). Depois ficava por lá o resto da tarde. E nós também.

Alias, do que mais gostávamos, era andar atras do compasso desde a primeira casa. Mal se ouvia dizer “o compasso já anda na rua”, era um autêntico frenesim correndo de casa em casa



Toda esta atmosfera marcava a diferença.
"A melhor parte da nossa memória está fora de nós"- Marcel Proust


FOLAR

O folar é o bolo da Páscoa em Portugal.
Segundo Maria de Lurdes Modesto e Afonso Praça, “O folar seria uma espécie de contraponto do pão ázimo que tem o peso teologal do sacrifício e da penitência”.
Para outros, o folar era o presente que os padrinhos e madrinhas davam aos afilhados na Páscoa, para quebrar o período de grande jejum e que só deixavam de dar quando eles atingiam a maioridade ou casavam.

Eu fiquei sem madrinha ainda bebé. Logo, sem procedência para receber o meu presente.
Por isso dedico este pedacinho do rabisco à minha saudosa avó Emília que sempre teve a arte de nos encantar com um enorme folar no Domingo de Páscoa. Um folar de azeite, muito doce e de fatias tão amarelas como a gema dos ovos!

Algumas generalidades:




 1 - A Páscoa Judaica (Pessach) foi instituída na época de Moisés, uma festa comemorativa feita a Deus em agradecimento à libertação do povo de Israel, escravizado por Faraó, o rei do Egipto.
Esta data não é a mesma na Páscoa Gregoriana e Juliana.
O dia da Páscoa cristã, que marca a Ressurreição de Cristo é o primeiro Domingo depois da Lua Cheia, que ocorre após o 21 de Março, data marcada para o equinócio da Primavera, no hemisfério norte. No Calendário Eclesiástico, nunca é antes de 22 de Março nem depois de 25 de Abril.
Da Páscoa cristã, ficaram tradições e símbolos:  
- A Cruz da Ressurreição
- O cordeiro
- Pão e Vinho
- O Cirio
- Ovos de Páscoa
- Coelhinhos de Páscoa


2- Há diferentes espécies de folares em Portugal, consoante a região - doces e salgados; redondos, de forma ovalada, em forma de coração e também de animais.


Alguns “Apanhados”:


De cima para baixo e da esquera para a direita:
1- De qualquer região
2- Folar dos Açores
3- Várias zonas, sbretudo do Douro para baixo
4- Folar de Tras-os-Montes e forno
5- Folar de Coimbra
6- Folar do Algarve



Imagens Google

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