Jorge Palma é um
apaixonado pelo comboio e diz:
“O comboio tem
uma carga poética como nenhum outro meio de transporte; toda a gente gosta
do som de um comboio à distância…O comboio é inspirador porque a paisagem está
sempre a mudar”
Foi um romantismo
idêntico ao dele que me conduziu ao tema de que me apetece tagarelar
Refiro-me sim, ao
“conjunto de vagões ou carruagens engatadas umas nas outras e puxadas por
locomotivas” do“ tempo em que os comboios tinham alma”.
A história mais
recente fala da primeira viagem em comboio a vapor, em Fevereiro de
1804.
Até então, os animais
eram os meios de viagem e de transporte mais importantes. Só a partir daquela
data é que passou a ser possível transportar grandes cargas mais rapidamente
entre distâncias maiores.
Máquina a vapor de Nicholas Cugnot
Richard Trevithick, engenheiro inglês, depois de várias tentativas fracassadas, inventou a locomotiva a vapor em 1804, associando duas invenções que tinham sido feitas anteriormente: os carris de ferro fundido, utlizados nas minas e um motor a vapor já com alguma potência. Colocou o motor nos carris e conseguiu mover a sua locomotiva a vapor, puxando 5 vagões com 10 toneladas de carga e 70 passageiros à velocidade de 8 Km/h, substituindo assim os cavalos que puxavam carros pesados de uma siderurgia para um canal
Trevithicks Dampfwagon, 1ª locomotiva a vapor - 1804
No entanto, o passo
gigante para o desenvolvimento da locomotiva e por consequência do comboio,
seria dado por George Stephenson, mecânico inglês nas minas de Killingworth que construiu a sua primeira locomotiva a que chamou Blucher, em 1814. Destinava-se ao transporte dos materiais da mina, puxando uma carga de 30
toneladas a 6 Km/h.
Locomotiva Blucher, 1814
Foi o "Pai dos Caminhos de
Ferro britânicos" - com a sua primeira locomotiva ficou estabelecido um padrão adotado mundialmente
Em 1819 criou uma limha férria de oito
milhas em Sunderland e em 1825, foi inaugurada a 1ª linha férrea
pública do mundo.
Quatro anos mais tarde, , foi chamado a construir a
linha férrea entre Liverpool e Manchester utilizando a nova locomotiva,
batizada de Rocket, que tinha uma caldeira tubular inventada pelo engenheiro
francês Marc Seguin e atingia a velocidade de 30 Km/h
Stephenson`s rocket, a
locomotiva da era industrial
Rota Liverpool - Manchester, a primeira linha
férrea, no verdadeiro sentido da palavra, 1naugurada em 1930
Com o desenvolvimento do motor a vapor foi possível dar
início à expansão dos principais caminhos-de-ferro, de grande importância
durante a Revolução Industrial.
As primeiras linhas férreas foram construídas na Inglaterra,
Estado Unidos, Alemanha e Bélgica.
Toda a cartografia teve que ser alterada e os
transportes terrestres sofreram um aumento significativo
A NÍVEL NACIONAL
A inauguração da primeira
linha férrea foi só em 28 de Outubro de 1856, de Lisboa ao Carregado, com Dom
Pedro V a bordo.
O comboio era formado por duas locomotivas, “Coimbra” e
“Portugal” e 16 carruagens
1ª
linha ferroviária , 1856 "Inauguração" de Roque Gameiro
Viria portanto a ser
na 2ª metade do séc. XIX que Portugal começou a modernizar-se com o
contributo de Fontes Pereira de Melo, ministro das Obras Públicas, deixando de
certo modo de estar isolado devido às más estradas e transportes antiquados,
sob a supervisão de uma Companhia inglesa.
A recuperação das
convulsões políticas e guerras civis ainda estava por fazer, tornando-se
difícil ao País acompanhar a evolução em curso.
Quanto à inauguração
da Linha não quero deixar de transcrever uma passagem do livro de memórias da
Marquesa de Rio Maior (à data ainda criança) e que vem publicada
em ”Viajando no Tempo…”, embora bem conhecida:
“Finalmente, avistámos
ao longe um fumozinho branco, na frente de uma fita escura que lembrava uma
serpente a avançar devagarinho. Era o comboio? Quando se aproximou, vimos que
trazia menos carruagens do que supúnhamos. O comboio parou por um momento na
estação, de onde se ergueram girândolas estrondosas de foguetes (...).Só no dia
seguinte ouvimos o meu pai contar as várias peripécias dessa jornada de
inauguração. A máquina (...) não tinha força para puxar todas as carruagens que
lhe atrelaram; e fora-as largando pelo caminho. Creio que se o Carregado fosse
mais longe e a manter-se uma tal proporção, chegava lá a máquina sozinha ou
parte dela. (...) Meu pai passou para a carruagem real, na qual chegou ao
Carregado, onde assistiu aos festejos e comeu lautamente, porque o banquete era
farto ".
Com esta inauguração, a
máquina a vapor substituiu as faluas do Tejo e, gradualmente, os serviços
regulares das carreiras da mala-posta.
Navegação no Tejo Mala-Posta
A primeira carreira regular da Mala-Posta em Portugal
confere ao Carregado o lugar da mais importante estação de apoio aos serviços
regulares desta carreira entre Lisboa e Caldas da Rainha, que funcionou diariamente entre 1758 e 1855
Máquina do comboio de Dom Manuel II
Depois, com o avanço da tecnologia, os comboios
eléctricos movidos a diesel substituíram os comboios a vapor.
E na década de 60 surgiu o comboio de alta
velocidade, tornando este tipo de transporte cada vez
mais rápido e acessível.
Alfa
Pendular, na Estação do Oriente
Em 3 de Agosto de 1882
foi inaugurada a Linha da Beira Alta,
entre a Figueira da Foz e Vilar Formoso.
“A concessão da Linha da Beira Alta foi atribuída à Société Financiére
de Paris, pelo contrato de 3.08.1878 (Pampilhosa à Fronteira e Ramal de
Coimbra).
Esta fundou uma sociedade
anónima, a Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses da Beira Alta, cujos
Estatutos foram aprovados pelo alvará de 08.01.1879
Em 03.09.1879 foi
aprovado o novo contrato com a Companhia da Beira Alta, para construção e
exploração do CF de Pampilhosa à Figueira da Foz -
Contrato entre o
Governo e o “Sindicato Portuense” para a construção da linha férrea de
Salamanca a Barca d’Alva e Salamanca a Vilar Formoso.”
Esta ligação foi
discutida pela 1ª vez numa proposta parlamentar em 1874, dada a importância da
rede ferroviária portuguesa, dos pontos de vista nacional e internacional.
Depois de feitas e
recusadas várias propostas, no concurso aberto pela Lei de 23 de março de 1878,
foi então lavrado um contrato no dia 3 de Agosto do mesmo ano, com a Société
Financiére de Paris que fundou a Companhia dos Caminhos de Ferro
Portugueses da Beira Alta para construir e explorar a Linha.
Fês o troço
entre Vilar Formoso e Pampilhosa mas desde o princípio que queria também
prolongá-la até à Figueira da Foz devido ao seu porto marítimo. Porem, surgiram
conflitos com a Companhia Real cabendo à Companhia da Beira Alta
ligar a Figueira da Foz a Vilar Formoso no ano de 1882.
A sua abertura ajudou
ao progresso de toda a região por onde passava. E a Figueira da Foz passou a
cidade, atraindo os beirões para as praias.
Linha da Beira Alta Estação da Figueira da Foz
Estação de Vilar Formoso
Primeiro percurso turístico na Beira Alta
Entre os anos de 1895
e 1900, o Sud Express foi realizado pela Linha da Beira Alta
Sud Express: O 1º Sud Express entre Lisboa e Paris,1896
“O sal, que antes era
transportado em carros puxados por mulas durante vários dias e em pequena
quantidade, passou a vir em tempo, assim como o peixe fresco para abastecer os
comerciantes da região da raia
Vilar Formoso
tornou-se a principal fronteira seca do país e porta de ligação com a Europa. O
Sud-Express, comboio de luxo para a época, inaugurado em Julho de 1895 com
carruagens-cama e restaurante, veio facilitar e tornar muito confortáveis as
deslocações a Lisboa e a Paris.
A única estação da
linha da Beira Alta no concelho do Sabugal era e é a Cerdeira Para
lá, transportavam-se semanalmente batatas e outros produtos, em carros de bois
vindos do Soito e de outros lugares vizinhos.
Durante dezenas de
anos o Sud-Express chegava de Lisboa a Vilar Formoso por volta das 20 horas, a
uma velocidade média de 80 Km/hora, puxado ainda por uma máquina a vapor.
Paravam também em
Vilar Formoso, o comboio-correio e o chamado ‘Trama» com paragem em todas as
estações e apeadeiros.
Nas estações passou a
haver telégrafo e o de Vilar Formoso, desde os finais do Século XIX a
princípios do XX funcionava das 7 horas às 17 horas.
Alugavam-se mantas de
viagem e almofadas e junto das estações havia diligências e trens de aluguer,
puxados por cavalos para levar os passageiros às povoações vizinhas da linha.
A história de Vilar Formoso enriqueceu extraordinariamente com o caminho-de-ferro e é um desafio e uma surpresa para os historiadores”
A história de Vilar Formoso enriqueceu extraordinariamente com o caminho-de-ferro e é um desafio e uma surpresa para os historiadores”
Nos últimos 30 anos,
tem-se assistido ao encerramento da quase totalidade das linhas de via reduzida
e encerramento de apeadeiros e estações, outrora de grande movimento e
substituídas por camionagem
Nem as potencialidades
turísticas de muitos desses trajetos e povoações, foram aproveitadas”.
Publicado em «Terras
entre Côa e Raia»
Interior do Allen- anos 60
CERDEIRA
Sobre ela dizia Joaquim Manuel Correia*, em 1946:
“É situada esta
pitoresca e mimosa povoação na margem esquerda do rio Noemi, sobre o qual se
lança uma comprida e antiquíssima ponte, de 5 arcos, solidamente construída de
dura cantaria granítica, a qual liga a antiga povoação ao bairro moderno, edificado
depois da construção da linha férrea da Beira Alta, aumentando de ano para
ano e estendendo-se desde a estação até ao viaduto e dali subindo pela estrada
que liga esta freguesia às Termas do Cró (1945) …
A
construção da linha férrea levou o progresso e riqueza à Cerdeira,
que vai crescendo e progredindo consideravelmente, sendo já uma das mais
importantes povoações do concelho.
Tem muitos
estabelecimentos comerciais, farmácia (já teve duas), e escola para os dois
sexos, instalada em um bom e vasto edifício, que foi mandado construir pelo
Exmo. Sr. Dr. José Diniz da Fonseca e arrendado pela Empresa Construtora
da referida linha, que o melhorou, dando no fim 40 libras e só depois
disso foi apropriado para as escolas.
No bairro novo existem
já bons estabelecimentos, perto da estação do caminho-de-ferro, que é uma das
de maior movimento, servindo grande número de povoações dos concelhos do
Sabugal e Almeida e algumas do da Guarda. No mesmo bairro há várias tabernas e
casas de pasto.
É para a estação
da Cerdeira que os lavradores da margem direita do Côa, na raia de
Espanha, e muitos da margem direita pertencentes ao concelho do Sabugal,
transportam o centeio, o feijão, o trigo, o milho e sobretudo a castanha e
batata, que ali embarcam para diferentes pontos do país”
Quase
no fim do percurso da linha da Beira Alta, fica a terra onde nasci e que,
quando era garotinha, pensava que vivia numa grande “Vila” rodeada de aldeias e
lugares.
Viam-se
sempre pessoas a chegar ou a partir.
Vinham de terras próximas e distantes para frequentar
a escola Primária e Secundária; consultar o médico no Posto de Saúde; comprar
medicamentos na Farmácia Nave (já desaparecida) e na de S. Miguel; apanhar o COMBOIO
para Vilar Formoso, Espanha, Guarda ou outros destinos; trazer os produtos cultivados
a fim de serem comercializados e guardados nos vários armazéns da R. da Estação
Outros
vinham telefonar, enviar e receber encomendas aos CTT; ceifar, malhar, vindimar
e pisar as uvas; deixar os filhos pequenos na Creche sob orientação (na altura)
das Irmãs dos Servos de Jesus; alugar táxis; comprar ou arranjar relógios, à mercearia,
serralharia, padaria, ao “comércio” de venda de tecidos, linhas, etc.
Havia
sacerdote residente, pescaria de pequenos robalos no rio Noemi e trabalho para
os que o procuravam junto das pessoas mais abastadas.
No intervalo dos negócios “beber um copo” com os amigos e saber das "notícias" do Jornal, era frequente.
E
havia o Chefe da Estação que habitava o 1º andar e vendia muitos bilhetes. Os
comboios tinham carruagens de 1ª, 2ª e 3ª classe (nesta, as galinhas em cestos, faziam parte dos passageiros).
As amizades, nas frequentes viagens para Lisboa depois das férias, também aconteciam.
As amizades, nas frequentes viagens para Lisboa depois das férias, também aconteciam.
Um dos meus (nossos) lugares preferidos no verão para estudar, era na relva da margem do rio junto ao muro do Colégio, para ver passar os comboios cheios de turistas acenando as mãos do outro lado ou para contar os vagons de mercadorias.
Olhando
para trás, acho que tinha mesmo motivos para considerar a Aldeia que o comboio ajudou
a desenvolver, uma “grande Vila”.
Hoje
nem sequer é mais uma grande aldeia comunitária porque os habitantes são poucos e quase
todos forasteiros; ao quererem modernizá-la, estão destruindo o valoroso património de muitos séculos.
"O comboio vai a subir a serra
Parece que vai, mas não vai cair
Sempre a assubiar vai de terra em terra
Como a perguntar onde eu quero ir"
Imagens Google
Bonita a descrição que fazes da nossa aldeia.
ResponderEliminarComo fomos felizes ali!O mundo era a nossa aldeia.Tinhamos tudo.
E como está tão diferente!Mas com o abandono que todos lhe votámos,os que ficaram ,fazem o seu melhor...
Bjs
ERA MESMO! E tu, sendo muito mais nova do que eu, já não apanhaste a vivência plena do que sumariamente descrevo...
ResponderEliminarA conjuntura das Guerras (Civil de Espanha e II Guerra Mundial) acabaram com os «comboios-bloco» e a comercialização passou a ser complicada. Daí o reinício de fluxos de emigração, quer para o Brasil quer mais tarde para França, etc.
Jinho