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domingo, 13 de maio de 2012

O FORNO COMUNITÁRIO NO PRETÉRITO




Na minha Aldeia, como em quase todas as freguesias da Beira Alta, ainda existe o Forno Público onde toda a comunidade cozia o pão.
É de construção sóbria, planta térrea, cobertura de duas águas ; a junção das pedras de granito com argamassa à base de cal e gesso, foi substituida, parece, por argamassa de cimento, tirando-lhe as caraterísticas de antiguidade e também a telha de cerâmica tem um aspeto diferente.
Fica num Largo no meio da povoação, sítio do Povo, com desnível do solo e escadas de acesso, chão interior térreo e a inscrição “Forno Comunitário” numa placa destacada do solo por um suporte. A porta, de tábuas largas e compridas envelhecidas pelo tempo, deu lugar a outra, metálica e de cor verde (!!!).
O forno em granito, embutido numa estrutura maciça tem uma só boca por onde entrava a lenha, se retiravam as cinzas e a seguir se introduzia o pão; nos lados ficam os tendais, em granito onde se colocava a masseira com a massa tendida. Junto à fachada exterior lateral esquerda, está o tanque do Forno onde também bebiam água (e devem beber ainda) os animais de grande porte. Muito perto dali, existe um fontanário público.

A sua utilização estava sujeita a regras estabelecidas que toda a comunidade devia respeitar para que ninguém se visse privado de comer um bem essencial.


A marcação da vez de cozer era feita “em roda”, pelas casas do aglomerado alternando-se entre si. Cada vizinho tinha obrigação de desamuar o forno, isto é, de o aquecer quando chegava o seu tempo, costume com razão de ser pelo trabalho e dispêndio de lenha se ficasse alguns dias sem cozer.
Apesar de não estar regulado por escrito o uso da adua, todos o respeitavam utilizando como sinal a colocação de um molho de lenha para indicar que o forno estava tomado.
Havia varredouros ou vasculhos de trapo, pá de ferro ou de madeira e arranhadouros, material necessário para espalhar as brasas, limpar o chão interior do forno, meter, virar e tirar o pão.



Era preciso, portanto, saber preparar e aquecer o forno, amassar, tender e  arrumar, ao colocar, virar e tirar o pão depois de cozido, mantendo sempre a temperatura elevada.
Giestas, lenha de freixo, amieiro e carvalho, serviam de combustível.

Quando se cozia o pão, aproveitava-se para assar batatas, cabrito ou borrego, fazer biscoitos de azeite e outros bolos, sobretudo na Páscoa.

Havia também o costume de pedir pão emprestado quando alguém precisava, a pagar logo que a fornada entrasse em casa. 
A amizade na aldeia era grande - convinha a quem faltava e agradava a quem emprestava porque o recebia quente.

No Inverno, o forno aquecido transformava a casa num lugar de permanência para conversar e conviver, além de servir de refúgio a alguns desagasalhados durante a noite.
Tal como  em tantas outras aldeias, o serviço comunitário foi caindo em desuso até que deixou de ser utilizado, quer porque as pessoas envelheciam e não conseguiam manter as regras, quer porque passou a poder comprar-se pão fresco, mais “macio” e branco, diariamente, na bem equipada padaria da Sra. Mariana “Espanhola”.

Conserva-se a casa, bem cuidada  mas diferente - descaracterizada  Eu não a reconheceria através das simples fotos.
Será sempre, no entanto, o reflexo histórico-cultural de uma época muito longa mas não distante.

Não sei de qualquer referência à data da construção do Forno mas como está numa povoação muito antiga, com foral dado por Dom Afonso III em 1253, quando este rei se “achava em Murça”, e o primeiro registo escrito que a ela se refere é de 1102, deduzo que será muito antigo também.

Porém, com os turistas a procurar os produtos típicos de cada região e de que o pão faz parte, só o de centeio amassado à mão e cozido em forno de lenha, poderá ser mandatário desse requisito se algum dia por lá passarem alguns curiosos…


Alguns exemplares de fornos da Beira Alta com paredes feitas de pedra sobre pedra sem liga de massa a uni-las e telhado de telha portuguesa em canudo.

1 comentário:

  1. A propósito, transcrevo um comentário que foi feito via Gmail e a respectiva resposta:


    O meu nome é Diana e estou a contactá-la em sequência de ter visto esta publicação no seu blogue:

    http://jangadadatijuca.blogspot.pt/2012/05/o-forno-comunitario-no-preterito.html

    Fiquei extremamente curiosa sobre o tema!
    Pessoalmente estou a desenvolver um trabalho de investigação e interpretação sobre os Fornos Comunitários de Castro Laboreiro e Lamas de Mouro, desde Abril do ano passado. Etnografia, Arquitetura e Contexto histórico são os meus temas de estudo destes monumentos. No total conhecem-se 48 fornos, actualmente, sendo o seu total original de 54.
    Achei a sua descrição desse forno extremamente completa. O link do seu blogue merece distinção no meu trabalho.
    Gostaria de lhe perguntar o que pode acrescentar sobre essa panóplia de fornos comunitários.
    Sabe quantos existem na região? Existe algum levantamento feito?
    Muito obrigado pela sua atenção,

    Resposta:
    Acabo de ler o seu mail, a que respondo com muito gosto, embora não seja perita no assunto que tão curiosamente investiga
    Se tiver um minuto para ler o meu ponto de partida para o blogue que em Fevereiro de 2012 resolvi iniciar, concluirá que falo de tudo falando de mim e vice-versa, com especial relevância para as minhas vivências no “pretérito”.
    Todavia, e porque acho que podem ter alguma utilidade, indico:
    - A descoberta, em cima do momento, de um Trabalho “Projecto Conservação e Reabilitação – Casa do Forno de Castelo Branco” por Celina dos Santos Francisco, como requisito à obtenção do grau de Mestre
    - Capeiaarraiana.pt, um blogue da minha Beira Alta, riquíssimo em património popular (também o forno comunitário).
    O forno da minha aldeia não é utilizado e, mau gosto, foi descaracterizado; como tudo o que ali se decide reabilitar…

    E que o entusiasmo, continue, esteja onde estiver.

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