Houve um tempo, durante dois dos meus anos de curso, que
tive como companheiras de Lar/Escola três estudantes das ex-colónias
portuguesas - uma de Cabo Verde, uma da Guiné-Bissau e outra de Angola.
Todas elas diziam passar a maior parte dos tempos livres
na Casa dos Estudantes do Império, num prédio do
Bairro do Arco do Cego, local que nunca cheguei a conhecer, embora se dissesse
estar aberto a todos os estudantes, do Minho a Timor.
Sabia que era uma associação
de jovens estudantes ultramarinos que tinham várias actividades culturais e
desportivas, refeitório e assistência médica. Eram muito seletivas nas conversas relacionadas com a Casa e um pouco
distantes no convívio.
No Lar havia também uma outra classe de colegas, não
solidárias com grupos específicos, reservadas, pouco simpáticas e rotuladas de
“informadoras da Pide”.
Depois, no meio destas duas contrastantes filosofias existiam todas as outras, a maioria, sem características diferenciadas e com conhecimentos muito
modestos em política, da qual eu fazia parte.
Porém, entre mim e a I. W. de Angola, chegou a haver uma
considerável afeição recíproca, suficiente para termos passado juntas uns dias de férias no
Algarve.
Deixei de a ver definitivamente durante o período de confrontos entre as Forças Armadas Portuguesas e as forças organizadas pelos movimentos de libertação das antigas províncias ultramarinas.
Soube, mais tarde, que as três tinham casado com figuras
relevantes dos governos dos novos Países.
A Casa dos
Estudantes do Império e os Informadores,
místicas em que eu apenas divagava, passaram então a ser incluídos na minha
agenda de curiosidades.
Sucedeu à Casa dos Estudantes de Angola que reunia apenas
estudantes angolanos a estudar na Metrópole.
Foi criada pelo regime do Estado
Novo e era financiada pelo Estado português com o objetivo de apoiar social e
logisticamente os estudantes oriundos de todas as colónias e do Brasil.
Anteriormente, a existência da Casa de Angola acabou por arrastar jovens
de outros territórios coloniais a seguir-lhe o exemplo para não se sentirem tão isolados na adaptação ao meio, longe do ambiente familiar. Era o cantinho da
saudade, o ponto de encontro com a terra distante, “o sítio onde se podia tomar banho todos os dias”, como dizia
Fernando Mourão.
Porém, ao regime não agradava que houvesse uma associação
por cada colónia de origem, quer porque contrariava a ideia de unidade do império
colonial português, quer porque dificultava o controlo das atividades dos
sócios.
Dr. Francisco Vieira Machado
E em 1944, o ministro das Colónias, Vieira Machado, numa
visita à CEA, com o aval do comissário nacional da Mocidade Portuguesa (Marcello Caetano? Luís Pinto Coelho?) formalizou a proposta de fusão de todas as Casas na Casa dos
Estudantes do Império com sede em Lisboa e duas Delegações em Coimbra.
Havia uma direção-geral comum para todos os agrupamentos (um
por cada território ultramarino). A associação era subsidiada pelos governos
coloniais, por organismos do Governo das Colónias e por empresas localizadas
nas Províncias. Destacavam-se como atribuições principais a assistência social
e material aos estudantes ultramarinos, a promoção da sua cultura e a
integração no meio estudantil metropolitano. Dava-se relevo à vantagem de uma “colaboração
cada vez mais profunda entre a Mocidade Portuguesa e a Casa dos Estudantes do
Império”, para um ”triunfo do espírito português”.
Os estudantes, apesar de não terem ideias concretas, como não eram da Mocidade nem da UN, não quiseram colaborar.
Assim, com todos concentrados, tornaram-se mais evidentes as diferenças entre colonizadores e colonizados, acabando por resultar numa inversão dos objetivos através de intervenções culturais e debates sucessivos.
Pouco a pouco a orientação ideológica mudou de uma posição a favor do Estado Novo, para a luta contra o governo de Salazar.
Apesar de a Casa continuar a ser financiada pelo Estado Português e a ter objetivos sociais, a sede e a delegação de Coimbra começaram a afirmar-se como um espaço de socialização anti-salazarista, de cultura de identidades próprias e de emergência de uma consciência anticolonial.
Segundo Inocência Mata, professora universitária e estudiosa das literaturas africanas de língua portuguesa, havia grupos bastante subversivos e era frequentada não só por africanos mas também por alguns brancos.
Existia ainda (legalmente?) o "Centro de Estudos Africanos”, estrutura muito fechada que nasceu dos contactos dentro da Casa dos Estudantes do Império, mas que funcionava na habitação de uma das tias, a tia Andreza, onde só alguns podiam entrar por causa da PIDE (será que as minhas companheiras faziam parte?)
Tanto em Lisboa como em Coimbra, a Casa transformou-se no
berço do nacionalismo das ex-colónias em Portugal, pois por lá passaram muitas
pessoas da resistência e os líderes dos movimentos de libertação africanos
como Amílcar Cabral, defensor da independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde,
Joaquim Chissano, Agostinho Neto, primeiro presidente de Angola, Lúcio Lara,
ex-secretário geral do MPLA, José Craveirinha, Marcelino dos Santos, membro
fundador da FRELIMO e muitos outros.
As atividades políticas contribuíram para desenvolver
as perseguições pela Pide. E o início da luta armada em Angola entusiasmou
muitos estudantes a procurar o exílio para se integrarem nos movimentos de
libertação.
Amilcar Cabral
A Casa foi fechada pela polícia politica em 1965.
Em 1992, a Câmara Municipal de Lisboa mandou encastrar uma placa evocativa em pedra de lioz, no
pavimento frente ao edifício, em
homenagem à Casa dos Estudantes do Império para não se perder a memória do
lugar histórico.
Imagens google
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