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quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

MUNDO RURAL PORTUGUÊS ATÉ À DÉCADA DE 60


    SILVA PORTO - A volta do mercado          SILVA PORTO - Guardando o rebanho


Antes de a eletricidade ter chegado às aldeias, o modo de vida da comunidade não deve ter-se modificado muito durante várias décadas.


O Sol marcava o ritmo; a força braçal e dos animais cultivavam a terra; os agricultores e famílias faziam a maioria dos produtos; o azeite e o petróleo eram os combustíveis usados na iluminação; o forno comunitário não tinha tempo para arrefecer; predominavam os rebanhos de ovelhas e cabras, as vacas leiteiras e as aves de capoeira; praticava-se a troca de mão-de-obra em tarefas como ceifas, sementeiras, debulhadas, vindimas, matanças, recolha dos fenos, desenterrar batatas; as pessoas deslocavam-se a pé, a cavalo, de bicicletas “pasteleiras”, de carroça ou de carro de bois; a roupa era lavada nas ribeiras ou lavadoiros públicos; a água para os banhos em grandes bacias tinha que ser aquecida em caldeiros ou em panelas; o ferro de engomar enchia-se com brasas; a braseira aquecia alguns compartimentos e os pés debaixo das mesas; só havia fogões a lenha e a lareira onde se acendia o fogo, era o local principal e indispensável para cozinhar, fazer o borralho, secar os enchidos, aquecer a água e as casas.

Para além da agricultura e da pastorícia havia também as necessárias ocupações (complementares ou principais) muitas vezes em parte-time: ferreiro, carpinteiro de instrumentos agrícolas/obras diversas, barbeiro, costureira, negociantes de gado/ produtos da terra, moleiro, tosquiador, taberneiro e lojistas além de outras como farmacêutico/a, médico "João Semana", relojoeiro, vendedor de peixe conservado em sal, carteiro, calceteiro, professor/a, pedreiro, empregado/a dos CTT, chefe de estação dos caminhos-de-ferro/agulheiro, etc.
Vista do Sabugal em finais do século XIX

Tudo isto sustentou e caracterizou o mundo rural português até finais dos anos 50.

A década de 60 deve ter sido a que representou o marco de viragem para a melhoria das condições de vida das populações da grande parte das aldeias com a instalação da electricidade e do gás canalizado.

Apareceram os aparelhos eletrodomésticos - frigoríficos, esquentadores, fogões aquecidos a gás ou electricidade - televisão, mais automóveis e motoretas, maiores facilidades para a higiene e esgotos, motores de rega, tractores, máquinas debulhadoras e segadeiras.
A emigração teve também um papel preponderante na evolução da estrutura socioeconómica com eventos, transferência de dinheiro e novos hábitos de vida.
Para Manuel Villaverde Cabral, a emigração “subverteu profunda e irreversivelmente os valores, as aspirações, as atitudes e os comportamentos dos campos”.

Como contemporânea que fui dos muitos momentos dessa época, individualizo alguns: 

Ferro de engomar

É chamado ferro porque começou por ser apenas uma barra pequena e achatada de forma triangular, com as extremidades arredondadas; e de engomar, porque na época era de etiqueta passar goma com água em saias plissadas, colarinhos, camisas masculinas, aventais e cristas das empregadas internas, por ex.






Mais tarde apareceu outro modelo que se tornou mais tradicional. Tinha um orifício largo na frente por onde entrava o ar/vento que mantinha aquecidas as brasas no interior. Para as avivar, havia vários processos - agitando um abano de palhinha, colocando o ferro no chão junto de uma porta bem ventilada, balançando-o em arco ou, simplesmente, soprá-las.
Só se começava a passar a roupa quando o metal ficava bem quente.




Lareira

A lareira era o “coração” da casa, na minha Aldeia. Toda a família se sentava em redor.
Em tempos recuados, na casa dos meus avós, havia um escabelo - banco comprido e largo, de madeira, constituído por uma caixa onde se colocava a lenha e por uma tábua de encosto a todo o comprimento, junto a uma das paredes da cozinha.

Presentemente, além de cadeiras vulgares, ainda há pequenos bancos toscos com um orificio na parte superior que serve de pega.


(Semelhante, mas com arca por baixo); pequenos bancos

As paredes laterais da chaminé estão unidas por uma pedra horizontal atrás da qual se encontra a pilheira onde se depositam as cinzas ou o borralho que resta.
Havia panelas de ferro fundido com três pés, de vários tamanhos, estrategicamente colocadas à volta da fogueira, onde eram cozinhados todos os alimentos com aromas e sabores jamais comparáveis.
Na parte da frente da chaminé permanecia uma argola onde se fixava uma corrente regulável que prendia os recipientes para aquecer água.



A lareira aquecia, iluminava, cozia, assava, defumava e animava o cavaqueio.

Penso que este tipo de lareira é mesmo de raiz beiroa e que a origem teve a ver com a arte de fumeiro. 
As de Trás-os-Montes são parecidas mas maiores.

Hoje as panelas e os ferros de engomar a carvão são usados como vasos para cultivar plantas e flores decorando varandas, interiores, balcões e jardins.


Braseira 

A braseira é um utensílio (bacia) de cobre, latão ou lata com duas pegas, onde se colocam brasas para aquecer um aposento no inverno ou os pés debaixo de uma mesa.
Era encaixada no orifício de uma base (estrado) de madeira ligeiramente elevada, em forma de hexágano, onde se apoiavam também os pés. As brasas (borralho) mantinham-se acesas com um abano. 
Produziam pouco calor e causavam ligeira dor de cabeça.






Também no meu Colégio havia braseira
Para aquecer, na sala, a turma inteira
E um saco de água quente, azulinho
Envolto num cobertor bem fofinho
Para os distintos pés da professora
“Chocarem” na melhor "incubadora".

Ao tocar da sineta pró intervalo
Deixava sair todas de embalo
E corria atrás da secretária
Rodando prá esquerda, solidária,
A rolha do saco aconchegado
Pró senhorio manter agasalhado
     
Lá se abriu o saco outra vez!
Dizia agastada com placidez
A Dona Elizinha, também “Menina.”
Vou já chamar a Irmã Bernardina…
- Que bom ter mais um tempinho 
Ainda que sem burburinho!

E em ritmia,
O borralho virava cinza
A aula degenerava em cinza
O Inverno continuava cinza
O segredo não saia da cinza.
Quase magia!


Fogão de ferro a lenha

Os primeiros fogões de ferro ou de cobre devem ter sido introduzidos em Portugal pelos residentes ingleses no final do século XVIII.

Na casa dos meus pais também havia um fogão de ferro fundido, não muito grande, a lenha de cepa de pinheiro, penso. Tinha uma chaminé que  comunicava com a chaminé principal. Era uma espécie de móvel com um compartimento para o fogo e um forno central; no topo ficavam as panelas. Não me recordo se também possuía alguma caldeira para água quente.
Era usado em simultâneo com a lareira.




A compra de um fogão a gás engarrafado ditou o abandono do velho fogão-a- lenha por não haver espaço para ambos - A cozinha, assim como toda a casa, tinha sido reduzida em consequência de desentendimentos, na altura, numa partilha hereditária.

E com ele se foi também um pouco da minha meninice porque era lá que apareciam as prendas de Natal 



Imagens Google

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