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domingo, 26 de maio de 2013

A VICIOSA SOCIEDADE PORTUGUESA



O Julgamento das Almas - Pintura quinhentista, no Museu de Arte Antiga

Gil Vicente retrata a sociedade portuguesa nas primeiras décadas do século XVI, privilegiando as peças teatrais (autos) de assunto predominantemente religioso; pouco a pouco foi evoluindo até à crítica social.


No século XXI, muito provavelmente o início do Auto da Barca do Inferno já não seria no mesmo porto de um rio imaginário onde duas barcas (do Inferno e da Glória) ancoradas com os respectivos barqueiros (Anjo e Diabo) esperam as almas para conduzir ao seu destino. A Igreja e o Estado estavam unidos por interesses medievais comuns e a aliança da aristocracia da espada com o clero era quem controlava o poder.

Porém, presumo que as características da sociedade portuguesa descritas naquela época continuam ajustáveis às da actualidade.

Talvez, em presença das mesmas crenças católicas, perante a existência da vida futura e dos lugares onde o homem viverá eternamente em estado de felicidade ou de condenação perpétua, o ambiente de degradação ética da política e de degenerescência moral da democracia, fosse menor…

Não, não terá sido porque, apesar de existir o medo dum Juíz
o Final, considerando o número de almas que entraram na barca divina e as que entraram na barca pecaminosa, são poucas as que se glorificam, já que a maioria vai para o inferno, o que não deixa de ser trágico-cómico!



Gil Vicente faz desfilar os representantes da nobreza, do clero, da magistratura, da burguesia e do povo com os seus vícios (e virtudes, alguns), perante o juízo do Anjo e do Diabo, que os vão condenando ou absolvendo, de acordo com o padrão oficial de conduta moral da época.


Galeria de personagens com estereótipos da época.


Na barca do Anjo (barqueiro da glória) entram:

Representantes da moral cristã exemplar:
- Quatro cavaleiros da Ordem de Cristo - morreram em lutas nas costas africanas para ajudarem a alargar a fé e o império.

Representante da candura dos ”pobres de espírito”, (ideologia vicentina):
- O Parvo (?) - na sua agressividade instintiva, o único que é capaz de dizer o que outros não ousam, até contra o Diabo, em linguagem desbragada.

Na barca do Diabo (barqueiro do inferno) entram:

Representante da nobreza
- Fidalgo – em quem se satiriza a ostentação de grandeza e poder, a soberba,  a vaidade, a presunção e o desprezo pelos humildes, tal como o pai.

Representantes da burguesia comercial
- Onzeneiro (agiota) – ouviu muitas missas e morre confessado, mas foi muito ambicioso, emprestando dinheiro com juros excessivos, arrancados aos necessitados
- Alcoviteira - uma mulher ambiciosa, informadora e traficante de moças para os clérigos ajuizando ser uma virtude (pretensa inocência) .
- Sapateiro – explorador dos fregueses, no seu comércio.

Representante do clero
- Frade – cortesão galante e sensual, criticado por dissolução de costumes e venda de bens sagrados.

Representante do povo
- Enforcado -  convencido de que os que morriam na forca estariam livres do Diabo, revela a ignorância e a credulidade, quando manejável pelo Judeu que ninguém quer, pelo criado do Fidalgo, pela moça do Frade e moças da Alcoviteira, meros apêndices dos poderosos, sem voz e sem vontade, mais objectos do que pessoas.


Representantes da Magistratura, acusados de corrupção, venalidade e rapacidade, tanto mais graves por serem cultos e responsáveis.
- Corregedorjuiz presunçoso, irónico, embusteiro, bajulador, corrompido pelas dádivas recebidas em troca de favores.
- Procurador - representante do poder central junto dos tribunais, arrogante, subserviente, presunçoso, cúmplice do corregedor.

Símbolo da Páscoa Judia?
- O Judeu - pecou comendo carne em dia de jejum e urinando nos mortos da Igreja. Renegado até mesmo pelo Diabo, é carregado de reboque, ao inferno, em barca separada.



E hoje, quem entraria nas respectivas barcas do Anjo e do Demónio?


A História, infelizmente, vai continuando a repetir-se mas com mais desfaçatez e perspicácia.


BURGUESIA

Podemos dizer que a burguesia, hoje, abrange todos aqueles que possuem propriedades privadas e que, ao contrário do que tentam convencer-nos, é uma classe-parasita, que não realiza nenhuma actividade produtiva, que não contribui em nada para o aumento da riqueza social.
Quem são os verdadeiros donos das empresas?

Fertagus / Mundo dos mercados financeiros e a estrutura accionista dos media


 Talvez se consiga conhecer, no máximo, o presidente ou o accionista maioritário porque as empresas são sociedades anónimas em que as acções estão constantemente a mudar de mãos cujos verdadeiros donos, os accionistas, nem sabem onde ficam nem o que produzem - o que lhes interessa é a especulação da bolsa de valores e o rendimento que garanta ou não a sua viabilização.




                                 Isabel dos Santos

A burguesia é política e economicamente dominante ou seja, a pseudo-elite do mundo financeiro, a quem falta o senso do dever e do serviço em defesa do bem comum.
Em Portugal a banca privada tem administradores e gestores dos seus bancos a trabalhar no conselho consultivo do Banco de Portugal. Como pode representar a isenção e exercer a fiscalização a favor dos interesses do país, se está nas mãos deles?




Blog Revoltatotalglobal - Este grupo de 115 pessoas é muito limitado face à dimensão total do trânsito entre cargos governativos e órgãos sociais de grandes empresas ou grupos económicos. De facto, esta pesquisa incide apenas sobre ministros e secretários de Estado dos sectores estratégicos (finanças, economia, obras públicas), incluindo também alguns casos interessantes de outras áreas governativas.


JUSTIÇA


 A justiça vendeu-se, tal como o serviço de saúde e da educação, a justiça está a transformar-se num negócio privado muito rentável”.
"Qualquer grande contribuinte em Portugal só paga impostos se quiser, de impugnação em impugnação, as leis têm todas as insuficiências para impedir que pague impostos"
"A arbitragem fiscal é um negócio magnífico em torno da Justiça, em que as partes escolhem e pagam ao juiz, o árbitro, e o resultado é só um: deve cem, paga 30 - dirá o Estado que é melhor do que nada - o resto divide-se pelos árbitros, pelos juízes, pelas partes".
"O que temos é uma classe empresarial parasitária, que vive sistematicamente à sombra do Estado, que não é capaz de se lançar na competitividade da economia global"




O advogado José Luis Arnaut, membro influente do PSD e antigo secretário geral «laranja», nomeado para administrador da empresa cliente do seu escritório de advogados



"A promiscuidade entre política e direito, é tão óbvia que ofende.Os advogados ganham milhões pelas leis que fazem - intercalam a sua actividade entre a politica, a advocacia e a economia, que representam bancos e, ao mesmo tempo, sindicatos bancários."
"Nos primeiros cinco meses de 2011, os contratos por ajuste directo renderam às sociedades de advogados cerca de 3,7 milhões de euros." 
Bastonário da Ordem dos Advogados





"Em Portugal, os escritórios de advogados são activos propulsores da corrupção. Têm contribuído para a subordinação do poder político ao poder económico.
Por exemplo, o código da contratação pública foi feito pelo escritório do Dr. Sérvulo Correia e, só em pareceres para explicar o código que ele próprio fez, já facturou 7 milhões e meio de euros. Mas mais corrupto ainda é que estes escritórios intervêm de forma inconstitucional no processo legislativo, executivo e judicial o que viola a lei da separação de poderes, o que requer intervenção do presidente da república”
Paulo Morais, professor universitário e ex-vice-presidente da Câmara do Porto

Nos últimos dois anos, terão sido investigados quase 500 falsos advogados, mas o número pode estar aquém do número real de pessoas que exercem a procuradoria ilícita. A cultura existente nas profissões jurídicas facilita a fraude. 
A situação é muito grave. Ninguém pede a identificação a ninguém.
Guilherme Figueiredo, presidente da distrital do Porto da Ordem dos Advogados 


IGREJA

Dom Manuel Clemente, novo Cardeal Patriarca de Lisboa


"Em nome de Cristo, a Igreja nunca pode calar-se quando a liberdade está em risco.
O silêncio, como é óbvio, pode ser interpretado como conivência com os opressores.
A liberdade está ameaçada quando os direitos não são respeitados e quando as injustiças são promovidas
Em nome de Cristo, a Igreja não se pode limitar a dar o pão aos famintos. Tem de ser também a voz dos espezinhados. 
A Igreja não pode ter medo das reacções. Só há reacção perante uma acção. Antes a crítica por causa da intervenção corajosa do que a censura por causa do silêncio cúmplice.
Em nome de Cristo, a Igreja não pode pairar sobre a vida. Tem de aterrar na vida. Na vida das pessoas, especialmente das pessoas pobres.
Na hora que passa, a Igreja tem o dever de ajudar a reconduzir a liberdade ao seu ambiente natural.
“oinaniloquente

Dom José Policarpo, ex-Cardeal Patriarcade Lisboa


"Há liberdades constitucionais e jurídicas que a Igreja respeita, tais como o direito a manifestar-se e a fazer greve mas o exercício dessas liberdades deve ser motivado pela preocupação do bem-comum.
Podemos cair, facilmente de mais, na atitude de condenação da sociedade actual, mas é possível amar o mundo sem concordar com o mundo”.
Dom José Policarpo, Ex-Patriarca de Lisboa

Apela ainda a um “olhar construtivo sobre a sociedade, por parte da Igreja”.
Destaca a “busca de sentido” na sociedade actual, mas deixa como alerta a constatação de que “muitos já não procuram, espontaneamente, a resposta da Igreja, na sua acção institucional”.
Fala em particular do “universo juvenil”, convidando a “aceitar o desafio de rever profundamente a nossa pastoral juvenil”.
E após recordar os apelos do Papa para que a acção social da Igreja portuguesa fosse repensada, deixa uma nota crítica: “Trabalhamos mais do que amamos, criamos estruturas mas quando as pessoas precisam do pastor, nós estamos ocupados”.



Papa Francisco


A Igreja Católica atravessa a mais profunda crise do último século e atinge um catolicismo universal, ao contrário do de há um século, que era uma realidade pouco mais que europeia.
Será que o Papa é capaz de afrontar o problema com a coragem necessária?



POVO

As novas elites acham que o povo deve apenas obedecer porque mandar é tão difícil que só homens superiores estão aptos a fazê-lo. 
"As liberdades conduzem à anarquia social e, por isso, o povo não deve ser chamado a decidir o seu próprio destino, mas sim, ser conduzido pelas suas elites". 




Para eles, o conjunto dos cidadãos constitui "uma massa ignorante" que serve apenas para aplaudir e aclamar as decisões dos seus dirigentes e não para as questionar ou pôr em causa quem está nas "ingratas" funções do mando. Garantem sempre que as suas medidas são as melhores ou as únicas viáveis, mas como o povo quase nunca percebe isso "elas têm de ser impostas".


O Povo saiu à rua, contra a austeridade


De acordo com alguns inquéritos, as pessoas de classe média dizem estar a viver tempos muito difíceis porque não têm acesso nem às recompensas dos ricos nem aos apoios recebidos pelos mais pobres; as pessoas mais pobres, por sua vez, dizem que não têm acesso às recompensas dos ricos e são pouco apoiadas socialmente. 
A austeridade é a constante de que o "Estado se serve tirando o dinheiro para pagar as suas contas até deixar de ter dinheiro para pagar as nossas".



Paul De Grauwe (economista conselheiro do Banco Central Europeu (BCE) e professor da London School Of Economics, antigo deputado no parlamento da Bélgica):

 “A dívida continuará a aumentar de forma insustentável: "A austeridade excessiva levará Portugal para a insolvência."


«Pode dizer-se que o princípio da meritocracia” que as sociedades ocidentais tanto invocam, ainda não funciona ou funciona escassamente em Portugal. Em vez disso, funcionam e parecem cada vez mais fortes as influências das redes de “capital social”, as cumplicidades e trocas de “favores”, o que, no caso português em particular, dá lugar a uma mentalidade algo anacrónica, marcada pela dependência servil dos indivíduos, pelo medo do poder e a bajulação de quem o personifica em cada contexto. Daí deriva também a falta de autonomia e de sentido de risco dos portugueses, o que se prende com a sua fraca participação no activismo cívico e político»
E «a estabilização do regime, à medida que se consolidou, conduziu a uma crescente indiferença dos cidadãos perante o sistema político, reduzindo o exercício da cidadania ao nível mínimo do direito de voto, e mesmo esse acompanhado de um crescente abstencionismo».
Elísio Estanque, Centro de Estudos Sociais
Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra 



Talvez os chineses, que dizem adorar o nosso clima, estejam a preparar-nos para fazerem de Portugal a sua futura colónia de férias…


Imagens Google

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