A casa onde nasci, mandada construir pelos meus avós
maternos há mais de cem anos, tecto dos meus pais durante sete décadas e palco dos respectivos e numerosos descendentes, é hoje uma mansarda onde o burburinho deu lugar a ausências e silêncios.
Ontem, às 2 horas da noite, semideitada sobre a cama do que foi meu quarto durante alguns anos, começei a escrever estas linhas. Sentia-me como se estivesse num espaço suspenso no vácuo, sem ruas nem vozes em redor, ideal para quem sofra de misofonia.
Ontem, às 2 horas da noite, semideitada sobre a cama do que foi meu quarto durante alguns anos, começei a escrever estas linhas. Sentia-me como se estivesse num espaço suspenso no vácuo, sem ruas nem vozes em redor, ideal para quem sofra de misofonia.
Lá fora via-se uma luz ténue, vigilante, a iluminar as janelas da varanda e os contornos - desenhados no céu estrelado - do telhado duma antiga e buliçosa oficina de ferreiros e da copa da frondosa nogueira cuja sombra refrescava o burro que, de olhos vendados, fazia gemer os alcatruzes de uma nora.
Cá dentro, uma pequena melga, motivada pela curiosidade, insistia,
atrevida, em me fazer companhia.
Ah! Estava a esquecer-me dos condutores noctívagos que passam ali na estrada ao lado de vez em quando; e dos aviões marcando a passagem na abóboda acima das nossas cabeças a 9/11 mil metros de altitude, a qualquer hora...
Ah! Estava a esquecer-me dos condutores noctívagos que passam ali na estrada ao lado de vez em quando; e dos aviões marcando a passagem na abóboda acima das nossas cabeças a 9/11 mil metros de altitude, a qualquer hora...
Porem, durante o dia, apesar de os compartimentos terem ficado desabitados, a casa não denuncia o vazio.
Há cortinas renovadas, camas sempre feitas, móveis limpos e objectos “no lugar”, plantas e flores frescas dentro e no pátio, e retratos, muitos retratos de todas as gerações, nas paredes e nas mesas.
Porque a minha irmã M. faz questão de a “viver” com
frequência como se o tempo e os acontecimentos em nada a tivessem alterado.
Até a existência de gatos contribui para manter aquela particularidade do ambiente “acolhedor" criado pelos meus Pais.
Afinal, "ainda estamos todos cá”…
Até a existência de gatos contribui para manter aquela particularidade do ambiente “acolhedor" criado pelos meus Pais.
Afinal, "ainda estamos todos cá”…
Tudo o que a rodeia faz evocar o silêncio como palavra de ordem - na sabedoria ancestral da escultura da natureza em pedras de arte não aprimorada ou na sonoridade musical dos montes que a resguardam.
Amanhã, dia 15 (e nalguns mais), a aldeia retoma a voz da alegria e do regozijo, do desassossego das
festas. Os sinos repicarão sons mais agudos e metálicos, haverá procissões, fogo-de-artifício
(ou já não), bailaricos, bandas filarmónicas, muitos emigrantes, automóveis, romaria à Senhora
do Monte - a mais importante festa da Freguesia