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sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

A ESCOLA DA MINHA INFÂNCIA

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Ainda lá está, sobranceira, dominando toda a aldeia.            
Construída em granito, de pé direito, pavimento e cobertura em estrutura de madeira e telhado com telhas vermelhas. Tem as características de todos os edifícios escolares da Beira Alta, levadas a cabo pelo Estado Novo. Dela fazem parte o rés-do-chão, onde viveu a primeira professora da Escola, Dona Lusitana, tia da minha Mãe e o 1º andar com duas grandes salas bem iluminadas por várias janelas, divididas por um corredor que termina num espetacular miradoiro, a varanda.
Acompanha-a no estilo a Torre do Relógio.
O acesso faz-se pela rua do Outeiro, logo a seguir à casa onde nasci. Diz-se que houve por ali um castelo - e ainda me recordo de uma pequena muralha de pedras escuras sobrepostas - que foi desaparecendo para o “benefício” da construção de casas de habitação.



Não existiam turmas mistas; havia uma sala para cerca de 30 raparigas e 
uma professora e outra sala para rapazes com um professor. Também os recreios se faziam em lados opostos da Escola. Quando se precisava de ir á casa de banho pedia-se para ”ir lá fora”. As carteiras eram corridas, de madeira, com bancos pregados ao chão e tinham uma cavidade para o tinteiro.



O horário era das 9 h às 17 h, com intervalo para almoço. A Adélia trazia lancheira porque vinha todos os dias a pé duma localidade vizinha e a Jeta também, mas de comboio, porque o Pai era agulheiro na CP. Como minha melhor amiga, aquecia a refeição lá em casa - quase sempre de arroz ou massa com batatas aos quadradinhos. A Milú saia antes do almoço porque vomitava mal entrava na sala.
As alunas usavam uma saca de serapilheira com desenhos num dos lados onde guardavam a lousa, um lápis de pau, uma pena, um lápis de pedra, o livro de Português, a gramática, a tabuada, o livro e caderno de ditados, o caderno de cópias de duas linhas e o caderno de matemática. Era obrigatório saber todos os rios e afluentes, as serras e linhas de caminho-de-ferro portuguesas. Os ditados eram muitos, as contas e os deveres também. A tabuada cantava-se. Quem contasse pelos dedos ou desse muitos erros, era castigado - viradas para a parede (sem orelhas de burro!), em pé junto á secretária da professora ou umas palmadas com a “menina-de-cinco-olhos”.
Na loja do viúvo “Ti” Felismino, casa térrea de pedras gastas pelo tempo, compostas de forma desenquadrada e sem janela, comprávamos algum daquele material; muitas vezes, quando não tinha meio tostão para troco, dava rebuçados, a nossa permuta preferida.
O Silêncio era completo. Porém, de vez em quando ouvia-se um sururu e a professora perguntando: - “Quem está a fazer chichi na sala?”: “Eu não fui”…”Eu também não”…  “Então vão todas ficar de castigo”. Com ar de cúmplice, apesar do pouco arrependimento, levantava-me e dizia: -“Fui eu, senhora Professora, que trouxe blocos de gelo do rio e espalhei-os pelas carteiras”. “Pronto, vem aqui para junto da minha secretária, de costas voltadas, até eu dizer”.
E assim se passaram 4 anos a aprender a contar, ler e escrever. Quem sabe se bem melhor do que agora no 12º ano!
A velha Escola Primária morreu para dar lugar a outra mais moderna.
O edifício, bastante adulterado na sua traça original, ainda lá está, agora como Centro de Dia - Sede Cultural e de Trabalho.
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6 comentários:

  1. Houve de facto uma torre de menagem na Cerdeira,do género de outras que ainda podemos observar em tantas outras aldeias da Beira Alta.O pai contou que foi das pedras desta torre que foi construida a escola e o muro do cemitério...
    Eu assisti á demolição final.O Abel vizinho,adquiriu as pedras que ainda existiam e nessa altura foi encontrada uma espécie de pistola!
    A escola é ligeiramente anterior ás do Estado Novo.A mãe,já frequentou aquela escola.A professora era sua madrinha.
    bjs

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  2. Obrigada pela colaboração no esclarecimento das genuinas recordações que eu descrevo ao sabor da pena, sem qualquer investigação - daí as lacunas...
    Houve realmente uma fortificação medievaL no sec. XIII e que foi destruida durante as invasões francesas. Segundo a tradição oral local, as casas em redor do outeiro foram construidas com as pedras do chamado castelo e a Torre do Relógio a partir da antiga atalaia. A Igreja é de 1770. Sobre a Escola, não descobri ainda qualquer data.
    Espero ter encoontrado as referências certas...

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  3. Estive a olhar o seu diploma. Parece ter data de 1973...
    Se assim for, desculpará, o ti´Felismino não dava meio tostão de troco. Essa moeda tinha saído de circulação havia mais de vinte anos! Antes de 1950, com certeza!
    Quanto a tudo o mais, gostei de ler!

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  4. Boa tarde, Carlos.
    Tomo a liberdade de chamá-lo assim porque ainda (já!) sou do tempo da circulação das moedas de meio tostão, sim. Deixaram de circular em 1948 (Efemérides Lusa - 31 de Dezembro, Sapo Notícias) e eu nasci exactamente nessa década...
    O Diploma é que não está legendado (uma falha) porque o utilizei apenas como modelo daqueles anos.
    Agradeço a sua original observação.

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  5. Tratamentos... tudo certo, tudo bem!
    M/obrigado por ter respondido rapidamente. E fornecendo datas!
    Carlos

    PS - Sobre a «original observação»: serei um pouco rude, não nego, propenso mais ao pragmatismo que à cerimónia. Peço desculpa.

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  6. Com a «original observação», queria referir- me a agudeza de espírito, minúcia. Quanto ao ser "rude" (desabrido?), nada de invulgar. E o seu critério prático foi, neste caso, uma opção que também não é reprovável.
    Logo, sem justificação para desculpa.
    Teresa

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