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quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

O ANTÓNIO

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Chamava-se António Alves e era solteiro. Foi sempre solteiro, como quase todos rapazes da aldeia naquela época, paradoxo que nunca percebi.
Vivia com a Mãe,” Ti “ Ermelinda, numa casa em frente da minha. As paredes, feitas de pedra sobre pedra sem liga de massa a uni-las e com um pequeno buraco a servir de janela, ainda lá estão. O telhado era de telha portuguesa em canudo, com uma única inclinação. O interior, com chão de terra batida, tinha dois compartimentos - um em baixo, mais espaçoso, onde se acendia a lareira e outro no declive superior com acesso por dois degraus em madeira, que, de tão pequeno, só nele se podia entrar curvando o corpo, para dormir no colchão de palha. A lareira não tinha chaminé e os fumos saíam pelo telhado tornando a casa quente. Hoje, quase não existe e o interior passou a ter arbustos como inquilinos.
Lugar da casa onde vivia

O António, como lhe chamávamos, era um homem sábio, discreto, solitário, quase pedindo desculpa por existir. Disseram-me que tinha sido funcionário dos Caminhos de Ferro mas que o vício do vinho o tinha remetido para o desemprego. Para sobreviver, vendia sardinhas conservadas em sal dispostas em camadas numas caixas de madeira em tiras.
A “Ti” Ermelinda deve ter morrido quando eu era ainda miudinha, porque só me recordo de estar sentada num banco muito pequeno, junto às achas que iluminavam a casa toda. Vestida com bibe de folhos, ia lá comer sopa. E quando regressava, recebia um recado da Mãe porque o bibe estava sujo.
Foi o António que me ensinou a ler antes de ir para a Escola num livro que me parecia muito grande - O Diário de Notícias. Era o único jornal da terra e que o Pai assinava.


Teve sempre um lugar junto ao canto da nossa lareira, sem a qual não suportaria os rigores do Inverno; vestia pouca roupa e também não tinha lenha. 
 Nós éramos a família dele. Muitas vezes apanhava míscaros para partilhar connosco o óptimo guisado que a minha Mãe fazia.
Um dia saí da aldeia para prosseguir nos estudos. Outros irmãos meus se seguiram. E António lá foi ficando cada vez mais sozinho.
Quando voltei numas férias escolares, ele não estava mais. Um enfarte do miocárdio tinha-lhe tirado a vida. A vida que não viveu.
Ficou assim na minha memória.

 “Há amigos que têm muito valor, amigos que pesam, amigos que são…” e eu, sinto ainda um certo ressentimento por não lhe ter demonstrado melhor que a nossa amizade era recíproca.
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